São Paulo, terça-feira, 8 de fevereiro de 1994
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Acredite se quiser

JOSÉ SERRA

Na semana passada, como líder do PSDB e baseado em relatório da assessoria da bancada, defini o voto contrário ao decreto legislativo que estabelece a devolução, retroativa a 1979, de tudo que foi pago em correção monetária, capitalização de juros ou juros de mora de um milhão de contratos de financiamentos agrícolas.
No plenário, o deputado tucano Flávio Arns, além de encaminhar o voto contrário, pediu "verificação de voto", tentando impedir a aprovação do decreto, que prescinde de sanção do Executivo. Em discurso de improviso, alertei para o custo do decreto, para sua inconstitucionalidade, para a consequente suspensão dos financiamentos agrícolas do Banco do Brasil e, portanto, para o formidável prejuízo que acabaria trazendo à própria agricultura. Poucos deputados, porém, acompanharam o PSDB. A maioria preferiu seguir os votos favoráveis comandados pela UDR e pelo PDT.
Sobre a aberração do decreto, não é preciso ir longe. Seu custo para o Banco do Brasil eleva-se a 97 bilhões de dólares, montante próximo à soma dos orçamentos da União e de todos os Estados e municípios brasileiros. Receberiam essa bolada mesmo os empresários que já saldaram suas dívidas.
Quem pagaria a conta? O Tio Patinhas? Claro que não. O Banco do Brasil? Este banco iria à falência se desembolsasse recursos próprios. Aprovado o decreto também pelo Senado, quem pagaria mesmo seria o Tesouro Nacional, quer dizer, todos nós, inclusive os agricultores, por meio da inflação decorrente da monumental emissão de dinheiro, da cobrança de mais impostos ou da privação de serviços fornecidos pelo governo. Note-se: o rombo não é "apenas" de 97 bilhões de dólares, mas de 127 bilhões, pois o Banco do Brasil fornece 75% do crédito agrícola, ficando os outros 25% por conta do resto do sistema financeiro, incluídos os bancos públicos dos Estados, que também transfeririam suas perdas para os governos estaduais.
Os fatores decisivos para esse verdadeiro acesso de loucura da Câmara foram três (até o Jack Palance se espantaria, mas acredite, se quiser). Primeiro, o simples desconhecimento do significado do projeto, confessado por vários partidos e parlamentares. Segundo, a idéia de alguns bem-informados de aprovar um decreto inviável para "forçar a negociação". Não conheço melhor exemplo para a ironia de Charles Lamb: pôr fogo na casa para assar o leitão.
Por último, espalhou-se o argumento malandro de que a devolução de tudo prejudicaria apenas os bancos privados e quem se opunha ao decreto defendia os interesses de tais bancos. Ora, ninguém minimamente informado sobre o crédito rural ignora que o grosso do crédito rural é fornecido por bancos públicos.
Os problemas do financiamento à agricultura no Brasil, em condições de superinflação e de uma política de juros elevados, são graves. É necessário, por isso, cuidar dos inadimplentes verdadeiros, afogados pela diferença entre o reajuste de seus preços e a correção decorrente da inflação sideral. Mas o decreto legislativo aprovado pela Câmara não representa uma solução. Só apressaria a hiperinflação e a explosão da economia, disparando um milhão de bumerangues contra a própria agricultura.

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