São Paulo, terça-feira, 8 de fevereiro de 1994
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A responsabilidade do Congresso

PEDRO SIMON

O dia de hoje representa um novo desafio na história recente do Parlamento brasileiro. Isso porque, quando estiver votando a proposta de emenda constitucional que cria o Fundo Social de Emergência, o Congresso estará ao mesmo tempo produzindo uma escolha de caráter filosófico. Mais do que viabilizar ou não o plano de estabilização do governo, está em jogo a concepção de democracia nas relações entre governo e Parlamento no Brasil.
Na história do Congresso brasileiro, todos os planos econômicos foram imediatamente votados e aprovados. É verdade que durante a vigência do regime militar a participação do Congresso era muito pequena. Mas no regime democrático todos os planos foram aprovados de pronto –o Plano Collor, que confiscou a economia popular, entre eles. Nenhum desses planos trazia em seu bojo uma preocupação com a participação do Congresso. Foram medidas de impacto, imposições.
Agora o Parlamento brasileiro está diante de uma obra aberta: o plano de estabilização do ministro Fernando Henrique. Um plano que tem como característica marcante o fato de que não se trata de produto de uma única e privilegiada mente, mas de uma grande e competente equipe que se esmerou meses a fio na confecção de algo verdadeiramente eficaz no combate ao déficit público e à inflação. E que apresenta ao Congresso o produto desse esforço, para que esse mesmo Congresso dele tome parte. É esta a grande essência democrática do plano de estabilização. Trata-se de um projeto que busca a participação, que convida à parceria e à atuação conjunta, que se presta a alterações substanciais.
Num momento de tamanha importância para o país, é inconcebível, portanto, que alguns insistam em não tirar os olhos do calendário eleitoral. Mesmo porque se enganam os que pensam que o sucesso do plano estaria aproximando o ministro Fernando Henrique da Presidência da República. O sucesso do plano tenderia, ao contrário, a afastá-lo da disputa, posto que a ele caberia levá-lo adiante.
Além do mais, o plano se enquadra na disposição firme do governo de só gastar o que arrecada. Por isso o presidente Itamar, em vez das frequentes obras grandiosas de fim de mandato, luta por estabelecer um plano de contenção. Nesse sentido o plano é absolutamente antieleitoral: que possível candidato à Presidência da República se permitiria pleitear um amplo corte de todas as despesas se estivesse em campanha?
Muitos têm criticado o governo por não ter adotado a política do "é dando que se recebe" na negociação do plano no Congresso. Os que pensam desse modo são os nostálgicos do autoritarismo. Foi para acabar com práticas desse tipo que o Parlamento votou pelo impedimento de um presidente da República; foi para acabar com práticas desse tipo que o Parlamento instalou a CPI do Orçamento. Foi por não acreditar nesse tipo de prática que o presidente Itamar confiou a mim a liderança do governo no Senado. E foi por acreditar nesse mesmo Parlamento que aceitei a missão. É preciso que todos no Brasil assimilem de uma vez noções de conciliação e negociação inteiramente despidas das vestes andrajosas de um passado politicamente pernicioso.
Hoje este Congresso tem a oportunidade de mostrar que amadureceu com tudo o que se passou. Não se trata de viabilizar o plano do ministro Fernando Henrique Cardoso, mas de viabilizar o país. Não é o governo que espera isso do Congresso, mas a sociedade brasileira, através de um plano inteiramente reformulado pelo Congresso Nacional. Pode-se dizer que hoje é mais um plano do Congresso que do ministro Fernando Henrique Cardoso.
Não temos o direito de pedir ao povo que espere um pouco mais, que suporte um pouco mais a inflação, a ausência de perspectivas no horizonte. A sociedade não quer e não pode mais esperar. O Fundo Social de Emergência é essencial para que o governo possa estabelecer o equilíbrio fiscal em 1994 e saldar compromissos internacionais. É também o ponto de partida para que o governo venha a estabelecer uma fiscalização rigorosa dos monopólios e oligopólios responsáveis pela especulação de preços.
O que se julgava conveniente alterar no plano de estabilização foi alterado. Resta então tornar exequível o produto de uma parceria entre o Parlamento e a equipe econômica. Isso passa pela aprovação do fundo de emergência –porque o fundo é parte de um plano caracterizado por um constante convite ao entendimento e à participação. E não se deve jamais voltar as costas às soluções democráticas.

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