São Paulo, sábado, 12 de fevereiro de 1994
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Quanto custa a inflação brasileira

RUBENS PENHA CYSNE

A manutenção da inflação de 40% implica em perda de US$ 33,2 bi anuais
Robert Lucas Jr., professor de economia da Universidade de Chicago, estimou em 1% do PIB o custo de uma taxa de juros anual de 10% para os Estados Unidos. Para 3% de juro anual, esse custo cai para 0,7% do PIB. Desprezando-se a diferença entre a taxa nominal de juros e a taxa de inflação dado pelo juro real e considerando-se o valor aproximado de US$ 5,5 trilhões do PIB americano, conclui-se que a queda da inflação do patamar de 10%, ocorrida entre 1978 e 1981, para os 3% ao ano relativos ao início da década de 90 terá proporcionado a esse país uma economia da ordem de US$ 16,5 bilhões ao ano. E que a erradicação total do processo inflacionário (ou uma ligeira deflação, se considerarmos um valor positivo para o juro real) implicaria em ganhos adicionais para a sociedade norte-americana em torno de US$ 38,5 bilhões.
A pergunta que cabe é: qual o custo atual do processo inflacionário brasileiro em que a taxa de juros já ultrapassa os 50% ao mês? E quais os ganhos de bem-estar que teríamos, medidos em bilhões de dólares, dada uma queda da inflação para diferentes patamares? Na resposta a esta pergunta, seguindo metodologia já consagrada a respeito, a mesma utilizada por Robert Lucas e que na realidade foi sugerida pelo economista norte-americano Martin Bailey em 1956, reside o objetivo desse artigo.
Em primeiro lugar, cabe explicitar que o custo medido pela metodologia aqui utilizada se deve exclusivamente ao fato de que, com inflação mais elevada, a sociedade naturalmente diminui a sua posse de meios de pagamento, reduzindo bruscamente a eficiência produtiva da economia. Assim é que as empresas são obrigadas a manter um departamento financeiro superdimensionado, onde não raro se pagam os maiores salários e se alocam os maiores talentos intelectuais, que muito mais úteis para o país seriam se estivessem alocados nas linhas de produção. Da mesma forma, as pessoas físicas são obrigadas a dedicar boa parte de seu tempo em idas e/ou telefonemas aos bancos visando a proteger seu patrimônio financeiro da perda de valor causada pela inflação. Isso para não falar no tempo perdido no aprendizado e comparação de preços, indexadores, impostos etc., que se modificam constantemente.
Ou seja, os custos aqui explicitados não incluem a queda de investimentos decorrente da instabilidade econômica que se associa à inflação brasileira, nem mesmo os custos de bem-estar associados ao conhecido processo de concentração de renda causado pelo imposto inflacionário. Se tais fatores fossem incorporados à análise, os custos aos quais nos referiremos em seguida deveriam ainda ser majorados por cada um desses revezes adicionais.
Levando-se em conta apenas a taxação sobre a moeda, que pode ser encarada como um insumo no processo produtivo, seja de empresas ou de indivíduos que buscam maximizar o seu bem-estar, avaliações empíricas realizadas pelo autor desse artigo levam a este quadro de custos da inflação; tomando-se como base um PIB de US$ 425 bilhões.
Com base nesses dados pode-se afirmar o seguinte:
a) A manutenção do atual patamar inflacionário da ordem de 40% implica numa perda para o país da ordem de US$ 33,2 bilhões ao ano. Só para se ter uma idéia comparativa, esse número equivale a mais de 11 vezes o Orçamento de todas as universidades federais do país tomadas em conjunto. Equivalentemente, tal soma seria suficiente para implementar quase duas vezes o programa contra a miséria defendido pelo senador Suplicy (e recentemente aprovado no Senado), que prevê transferências de até US$ 50 para os maiores de 25 anos que se situam na faixa de renda até 2 salários mínimos. De fato, tal programa apresenta um custo estimado da ordem de US$ 20 bilhões ao ano, quase a metade do que o país lucraria transferindo parte de seus recursos hoje alocados no mercado financeiro para atividades produtivas no setor real.
b) Se, como querem alguns, a passagem da inflação de 35% para 40% ao mês deve ser debitada à exarcebação de expectativas causada pela introdução da idéia da URV, conclui-se que tal complicada e desnecessária idéia já custa anualmente ao país algo em torno de US$ 1,7 bilhões (US$ 33,2 bilhões - US$ 31,5 bilhões) ao ano.
c) Apenas a redução (permanente) da inflação de 40% ao mês para 25% ao mês propiciaria uma redução de custos para o país de uma ordem de grandeza duas vezes superior ao Orçamento anual de suas três Forças Armadas, ou seja, algo em torno de US$ 6,5 bilhões.
d) Novamente, apenas a passagem permanente da inflação para algo em torno dos 10% ao mês existente entre 1983 e 1985, quando a ortodoxia econômica era considerada heresia no país e os propaladores da "inflação inercial" começavam a ser alçados ao Olimpo, preparando-se para destruir o país com sua bateria de brilhantes idéias, já seria capaz de poupar ao Brasil custos da ordem de US$ 15 bilhões ao ano. Quantia mais do que suficiente para a construção de sistemas de transportes de massa e erradicação de boa parte das favelas na maioria das grandes cidades brasileiras. Ainda com troco suficiente para financiar a campanha contra a fome do Betinho por vários anos.
Mais do que tudo isso, a simples erradicação da inflação já eliminaria boa parte da necessidade seja do programa de imposto de renda negativo do senador Suplicy, seja da campanha contra a fome do Betinho. De fato, só o crescimento natural da economia daí decorrente (pela reversão do quadro atual do pessimismo generalizado) e a eliminação do fator concentrador de renda representado pelo imposto inflacionário já dariam conta de boa parte do recado.

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