São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 1994
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Blocos

JANIO DE FREITAS

Na frente do bloco, a camiseta de uma lourinha tostada ensinava em vermelho que "modernizar não é desempregar". Era a sabedoria do carnaval em dose dupla – ou tripla, se eu pudesse dizer como era aquele misto de morena e loura. Não era carnaval ainda, a não ser em Salvador, que já carnavaliza há um mês. Não era um bloco politizado, o slogan da moça foi mero acaso. Como os acasos que às vezes levam cientistas a dar sentido a coisas que pareciam não ter sentido. O bloco espontâneo, de gente que não queria se exibir, mas só se divertir por um impulso de brasilidade indomável, ganhava com o slogan o mais apropriado estandarte. E anatomicamente mais bem situado que qualquer outro. "Modernizar não é desempregar" –que estandarte mais sábio para um bloco do Vidigal, um aglomerado de favela e classe média baixa, que, apesar de tudo, olha de cima para o Leblon e Ipanema?
Retifico: o bloco era político, sim. A música era uma definição clara. "Mamãe eu quero, mamãe eu quero mamar". Esta não é nem do meu tempo secular. E, naquele momento, não era só uma velha música de carnaval. Era um hino. Um hino da resistência da brasilidade mais brasileira contra a mercantilização que aprisionou a idéia de carnaval na cafonice soçaite do sambódromo. A mercantilização que acabou com a música de carnaval, porque não rende milhões de discos para as gravadoras.
Mamãe eu quero, olha a cabeleira do Zezé, touradas de Madri, os hinos vinham um atrás do outro. Mas como e onde essas garotas e esses rapazes aprenderam essas músicas que as rádios não lhes dão mais, dvididas entre sermões, também eles de fins mais mercantilistas do que religiosos, e o rock e o funk? As letras antigas, expressão de uma ingenuidade ainda esperançosa, vão fluindo sem os titubeios que gaguejam o Hino Nacional. Onde e como eles aprenderam?
Não aprenderam, meu caro. Isso veio com eles, está neles, uma sabedoria que vaza e explode como força natural, que as barragens do mercantilismo globalizado não conseguem deter. Apenas sufocam, oprimem. Como a tudo o que há de mais autêntico no humano. Sobretudo se brasileiramente humano –uma condição submetida até à estupidez de que desempregar é modernizar.
Nada mudou
Não sei que intenção teve o presidente interino do Banco do Brasil, Sayde José Miguel, ao me escrever a propósito da nota sobre os equívocos em torno do decreto legislativo do crédito agrícola. Contestação ou retificação, a carta não contém. Pelo contrário, confirma o que escrevi, mas a experiência me impede de crer nesta finalidade.
O BB entrou na história por causa dos US$ 20 bilhões, logo elevados a US$ 97 bilhões, que supostamente teria que devolver aos seus financiados, por cobrança indevida de correção monetária e juros autorizada, também, indevidamente, pelo Conselho Monetário Nacional. Diz a carta que o levantamento foi feito prontamente, incluindo "todos os empréstimos concedidos pelo BB ao setor rural de 1979 a 1992, corrigidos pela inflação do período e convertidos em dólar", daí resultando US$ 97,775 bilhões. Logo, confirma-se que os 97 bi, como foi aqui publicado, não correspondem à correção monetária a ser supostamente paga pelo BB.
À margem da carta, posso acrescentar outra comprovação de que o BB não tinha o levantamento da correção, quando seu presidente jogou no espaço os US$ 97 bi, e nem o tem ainda: o senador Eduardo Suplicy continua esperando este levantamento, que requereu no início da semana.
Talvez a intenção da carta esteja nas últimas linhas, quando diz que "o artigo omitiu dado fundamental" do decreto legislativo, que seria a frase "a partir das datas de suas vigências". Com esta frase, o decreto susta os atos do Poder Executivo e do CMN decorrentes da resolução ilegal. Mas o artigo deixou claro que não reproduzia o decreto na íntegra. E a frase omitida não é fundamental, pela obviedade de que, se sustado o ato principal, os atos que dele decorram também estão sustados.
Proibição
O diretório paulista do PT protesta contra a referência, anteontem, à proibição de que os parlamentares petistas participassem da oposição aos aspectos anti-sociais do Fundo de Emergência, parte do plano de Fernando Henrique. "A comissão executiva do PT autorizou a bancada a participar da votação do Fundo", diz o protesto. Mas nada foi decidido na votação, que apenas deu fecho formal às negociações, durante um mês, de parlamentares com a equipe econômica. E desta atividade decisiva a bancada do PT esteve proibida de participar.

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