São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 1994
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Só enredo da Mocidade empolga músicos

SERGIO SÁ LEITÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

Só o samba-enredo da Mocidade Independente de Padre Miguel escapa incólume das críticas do implacável corpo de jurados que a Folha adotou para julgar a trilha sonora do Carnaval do Rio de 94.
Músicos de diversas tendências –Livio Tragtemberg (compositor de música eletro-acústica), João Gordo (vocalista do grupo punk Ratos de Porão), Beco (rapper), Maurício Tagliari (guitarrista do grupo de jazz Nouvelle Cuisine) e Renato Lopes (DJ do clube Rave) avaliaram a dupla de álbuns lançada pela BMG.
Lívio Tragtemberg considera que o humor e as nuances melódicas são elementos raros nos álbuns. Ele acha que os sambas-enredo perderam o suíngue, tornando-se marchas aceleradas. "Dentro da tradição do gênero, as músicas deste ano são fracas", afirma. Tragtemberg não gosta das gravações –"faltam médios"– e dos temas –"as homenagens e o filão histórico são cacetes".
João Gordo, do grupo Ratos de Porão, é radical. "Não dá para escutar esses sambas mais de uma vez", afirma. "São todos iguais, todos chatos, todos exaltam uma falsa alegria, enquanto o povo passa fome." Gordo deu nota única
ao conjunto dos sambas concorrentes: a mais baixa.
O rapper Beco, do grupo Acima do Poder, é a contrapartida dialética de João Gordo. Mangueirense, ele defende o samba-enredo. "Como os rappers, os sambistas das escolas são acusados de fazer músicas repetitivas", conta. "O que falta é sensibilidade dos ouvintes para os detalhes de ritmo e melodia". Deu as notas mais altas.
O guitarrista Maurício Tagliari acha que as escolas foram pouco cosmopolitas este ano. "Os sambas parecem feitos para agradar ao chefe de polícia", brinca. Ele ataca a opção por músicas no estilo "samba do crioulo doido" –que exploram supostas "raízes" negras da cultura nacional. "Mas isso faz parte da estética do samba-enredo."
O DJ Renato Lopes, que costuma ferver a pista do clube Rave, encontra uma explicação para a redundância das composições. "Ela existe porque o desfile das escolas gerou um formato muito rígido, em que a repetição é uma exigência", afirma. Pessoalmente, ele prefere os sambas "diferentes". "Esta diferença está na bateria –os repiques, os intervalos, os tamborins", diz.
As opiniões de Tagliari, Lopes e Tragtemberg são convergentes. As repetições rítmicas, a banalidade melódica, a superexploração de temas-clichês, para eles, refletem as exigências do espetáculo. "As homenagens ajudam as escolas a captar dinheiro e o ritmo acelerado contribui para a fluência do desfile", explica Tragtemberg. "Essas imposições reduzem a liberdade dos compositores. Tenho saudade dos sambas dos anos 60 e 70".
Computadas as notas dos cinco jurados, os sambas da Unidos da Tijuca e da Imperatriz aparecem no fim da lista. "Essa mistura de índio brasileiro e corte francesa da Imperatriz não tem nada a ver", diz Beco. A Salgueiro também não se sai bem –para Tagliari, seu samba decepciona por causa do "populismo exacerbado" de versos como "Sou carioca, salgueirense/Sou povão".
A elegia da Mocidade à Avenida Brasil, tratada como metáfora do país, recebe elogios. "Tem um trabalho melódico mais interessante", define Tragtemberg. "A melodia, a bateria e a letra são primorosas", elogia Tagliari. Beco e Lopes apreciam a homenagem da Mangueira aos "Doces Bárbaros", enquanto Tagliari sublinha o "Despertar dos Mágicos" da União da Ilha. Todos com ressalvas, porém –são, afinal, adeptos de "Quando o Samba era Samba", como lembra o ("fraco") tema da Portela.

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