São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 1994
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'Fome de Amor' é o 'Vidas Secas' dos ricos

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Filme: Fome de Amor
Produção: Brasil, 1968
Direção: Nelson Pereira dos Santos
Elenco: Leila Diniz, Irene Stefania, Paulo Porto, Arduino Colasanti
Onde: hoje, às 21h, no Espaço Banco Nacional de Cinema

"Fome de Amor" começou como um filme de encomenda. Talvez por isso seus personagens estejam tão distantes da gente do morro carioca, da arraia de bicheiros de "Boca de Ouro", dos retirantes de "Vidas Secas".
Lá estão dois casais em uma ilha deserta. Há uma mulher (Leila Diniz) às voltas com o marido cego, surdo e mudo (Paulo Porto). Outra mulher (Irene Stefania), com um marido que vem dos EUA. Nenhuma das duas morre de contentamento.
Guardadas as diferenças estilísticas –e elas é que interessam– poderia muito bem ser um filme de Walter Hugo Khouri. Aqui começam as vantagens de um filme que o diretor não desejou fazer num primeiro momento.
Apesar de algumas referências à guerrilha e adjacências, estamos num registro perfeitamente intimista, longe do que se poderia esperar do diretor. No entanto, é nesse deslocamento que o autor aparece em sua plenitude.
Revisto hoje, "Fome de Amor" é um "Vidas Secas" dos ricos. Assim como a clássica adaptação de Graciliano Ramos, é um filme de paisagem: existe a aridez da ilha (marcada especialmente pelo relevo irregular), a imensa solidão do mar circundante, a presença sufocante do céu.
O deslocamento físico é irrelevante, ao contrário do que acontece em "Vidas Secas". Mas os personagens são igualmente movidos pela ânsia de viver, pelo desejo de alcançar uma vida que sentem lhes escapar.
Por que esse não poderia ser um filme de Khouri? Não se trata apenas de uma câmera nervosa, da ritmação inconstante, da atenção realista dada à paisagem, que de certo modo lembram o "Stromboli", de Rossellini. Trata-se do sentido que esses signos terminam por construir.
Feito num momento histórico delicado (a guerrilha, o Vietnã, o maio de 68 estão nos arredores), "Fome de Amor" é a história de pessoas que buscam a vida sem saber como chegar a ela. É o registro surpreendente de uma ansiedade, num filme tão desigual quanto interessante.

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