São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 1994
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Pesquisas questionam Eva africana

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

A origem geográfica do homem moderno (Homo sapiens) vem provocando intenso debate há muitos anos. A princípio a luta se travava entre paleontologistas, mas depois intervieram os biólogos moleculares e geneticistas. Em 1987 Allan Wilson e colaboradores, da Universidade da Califórnia em Berkeley, publicaram surpreendentes resultados de seus estudos com o DNA (material genético fundamental) das mitocôndrias (centrais energéticas das células) que passam à descendência apenas pela via materna. O grande feito de Wilson foi reconstituir a linhagem humana até uma certa mulher, daí por diante conhecida por Eva, que seria a mãe de todos nós e teria vivido na África há uns 200 milhões de anos.
Para chegar a esse resultado, a equipe de Wilson usou um programa de computador abreviadamente chamado de Paup ("Phylogenetic Analysis Using Parsimony"), que procura determinar a árvore mais parcimoniosa, isto é, capaz de traçar uma linhagem até o ancestral comum com um mínimo de mutações ao longo do caminho. Após um certo momento de espanto, o modelo de Wilson passou a ser atacado de todos os lados. Diziam alguns paleontologistas que o registro fóssil exclui a possibilidade de um ancestral comum mais recente que 1 milhão de anos. Outros críticos atacaram os métodos de análise do DNA e os meios de obter as raízes da árvore.
Na "New Scientist", Milford Wolpoff e Alan Thorne se encarregaram de apresentar estudos paleontológicos que contrariam a noção, decorrente da hipótese de Wilson, de que os descendentes de Eva deveriam ter se espalhado a partir da África e substituído os humanos antigos e indígenas em todo o mundo, numa gigantesca migração que contrariaria os indícios fósseis.
Wilson, que pouco depois faleceu, publicou atualização confirmatória, a seu ver, do primeiro trabalho, assim como os resultados de pesquisa que indica explosão na variação das sequências de DNA há cerca de 60 mil anos, o que não seria de esperar em populações mais ou menos estáveis quanto ao número. Essa explosão explicaria haver a população crescido pela ocupação de novos territórios. Por outro lado, três novas análises do método Paup revelaram a possibilidade de obter com esse programa muitas outras árvores filogenéticas mais adequadas que a de Wilson, até com raízes não africanas.
Em que situação fica a Eva africana? Pesadas as críticas e as defesas, impõe-se reconhecer que ela não está morta. Pesquisas de Blair Hedges e colegas, usando método algo diferente do Paup para construir uma árvore semelhante e única, obtiveram uma com raízes africanas. Segundo Christopher Stringer, do Museu de História Natural de Londres, existe muita prova além da mitocondrial, inclusive as resultantes de suas próprias investigações, que mostram que a diferenciação racial do homem moderno não começou há muito menos de 100 mil anos. E os estudos sobre o DNA nuclear mostram que os africanos parecem ter divergido primeiro.
O DNA mitocondrial, lembra Roger Lewin, é apenas uma fonte de informação sobre a história humana. Não é possível esquecer o testemunho dos genes do núcleo. Os resultados das pesquisas a eles relativas começam a surgir e sustentam a hipótese de Eva. Masatoshi Nei e colegas, na Pensilvânia, e Luigi Luca Cavalli-Sforza, em Stanford, analisaram independentemente algumas centenas de variantes de genes nucleares e obtiveram dados consistentes com a hipótese de Wilson.
O mais que se pode afirmar, por enquanto, é que a situação de Eva é no momento incerta, como incerto é o destino da hipótese de Wilson. Mas, como lembra Maryellen Ruvolo, de Harvard, um ponto na prova mitocondrial permanece intato: os africanos apresentam maior diversidade no seu DNA mitocondrial do que os habitantes de outros continentes. Essa diversidade seria a prova mais forte da origem africana, porque sugere que, para acumular o maior número de mutações, os humanos devem ter vivido mais tempo na África do que noutro lugar, como explica Marcia Barinaga em "Science" (255, 687).

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