São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 1994
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Estrelismo versus plano

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

O Congresso estava acabando de aprovar o Fundo Social de Emergência, quando tocou o telefone. Era o Matias. Chamou lá da sua fazenda. Queria saber como ia ser o novo plano econômico. "É congelamento? Vão confiscar a poupança? Vão taxar a agropecuária?"
Eu respondi não às três perguntas. Aí, o calejado Matias, cabloco vivo, resmungou: "Se não é nenhuma das três coisas, não é plano". Infelizmente, esse é o pensamento da maioria dos brasileiros que foi tão machucada pelas estripulias anteriores. O que não congela, não confisca e não saqueia, não é plano.
Tentei explicar ao meu amigo Matias que, desta vez, a intenção é diferente. O governo pretende zerar seu déficit para, então, derrubar os juros e acabar com a ciranda financeira.
Aí ele gostou: "Isso está certo. Certíssimo. A ciranda financeira é um escândalo bem maior do que o escândalo do Orçamento. Já não aguento mais ver tanta gente zombando de mim e me chamando de otário, só porque insisto em produzir".
Eu havia terminado de ler num jornal de São Paulo que o dono de uma empresa não estava conseguindo pagar, com a sua produção, uma dívida de US$ 1,8 milhão. Ele tomou esse dinheiro emprestado no exterior, a 7% ao ano, e emprestou-o para o governo brasileiro, aqui dentro, a 25% acima da inflação. Conclusão: em pouco tempo, pagou a dívida e hoje acumula um lucro de US$ 3,6 milhões!
O Brasil é o maior cassino do mundo. Essa jogatina vem de longe e se acelerou em 1991. Passou incólume por 1992 e 1993. E continua firme em 1994. Já encheu os bolsos de muita gente. Na moleza. Sem sol (a não ser o de praia), sem greves, sem os 55 impostos e taxas. E, o que é mais grave, sem gerar um único emprego para o nosso povo.
Pela lógica do plano aprovado, a ciranda deve acabar. Mas uma coisa é a lógica, outra é a prática. Entre as duas há uma imensidão de interesses conflitantes e um caudaloso rio de problemas. O que mais me preocupa é a fantástica competência de vários grupos para defender seus privilégios e empurrar as perdas para os seus vizinhos.
O corporativismo está disseminado por toda a sociedade brasileira. Semana passada, ele levou os vereadores a agredirem o deputado Nelson Jobim, dentro do suposto templo da democracia, o Congresso Nacional. Foi um espetáculo lamentável assim como é triste ver o estrelismo dos bastidores presidindo as desavenças entre o Poder Judiciário e os Poderes Executivo e Legislativo nos casos do plano e da revisão constitucional.
Essa extraordinária eficiência para fazer os interesses particulares prevalecerem sobre os interesses nacionais preocupa. Foi isso que matou os planos anteriores. Pode ocorrer o mesmo com o atual. O governo terá de entrar com muito gerenciamento para vencer as forças do status quo. É inadmissível deixar o país cair no abismo para, então, se erguer a necessária solidariedade. Deus nos livre disso!

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