São Paulo, segunda-feira, 14 de fevereiro de 1994
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Nelson Pereira reprisa antropofagia

JOSÉ GERALDO COUTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Filme: Como Era Gostoso o Meu Francês
Produção: Brasil, 1972
Direção: Nelson Pereira dos Santos
Elenco: Ana Maria Magalhães, Arduino Colasanti, José Kleber, Eduardo Imbassahy
Onde: hoje, às 21h, no Espaço Banco Nacional de Cinema

O ponto de partida deste filme é promissor: durante a ocupação francesa no Rio de Janeiro, no século 16 –em que os tupiniquins eram aliados dos portugueses e os tupinambás, dos franceses–, um desertor francês é capturado pelos tupinambás, que o julgam português e preparam-se para comê-lo (no sentido culinário do verbo).
Antes de ser devorado, entretanto, ele pode viver durante meses em liberdade na aldeia, que é uma espécie de paraíso tropical, com vegetação e mulheres igualmente luxuriantes. Entre tantas índias maravilhosas, a que resolve levá-lo para a cama –ou melhor, para a rede– é justamente a mais bonita (Ana Maria Magalhães) e também a mais perigosa: é a mulher do mal-encarado chefe da tribo tupinambá.
Nelson Pereira dos Santos disse que pretendeu fazer uma "parábola da colonização", confrontando "uma cultura sólida, européia, com o prazer de um povo dito primitivo". Pegou uma rabeira na antropofagia que tinha sido reciclada pelo tropicalismo uns cinco anos antes. O grande filme dessa tendência já tinha sido feito: era "Macunaíma" (1969), de Joaquim Pedro de Andrade, cujo sucesso se deve talvez à adoção de um tom ostensivamente debochado e demolidor.
Nesse contexto, "Como Era Gostoso Meu Francês" ficou no meio do caminho entre a comédia irônica e o documento antropológico (a maior parte dos diálogos é em tupi, com legendas em português). Alterna cenas de um humor irresistível –como a dos índios forçando um português e um francês a falarem qualquer coisa, para comparar seus sotaques e ver quem era quem– com passagens francamente tediosas, como as dos rituais indígenas (protagonizadas não por índios verdadeiros, mas por atores amorenados à custa de muita tintura).
Há uma última coisa a ser dita sobre este projeto interessante, mas frustrado: a nudez. Por conta dela, uns disseram, na época, que o filme era apelativo; outros, que essa era uma forma oblíqua de desafiar a censura do regime militar. De todo modo, uma coisa é certa: nunca houve tanta mulher pelada junta num filme brasileiro.

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