São Paulo, terça-feira, 15 de fevereiro de 1994
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Tonya não pode ganhar ouro nos Jogos

ANDRÉ FONTENELLE
DA REPORTAGEM LOCAL

Para o bem dos Jogos Olímpicos, Tonya Harding não pode ganhar o ouro na patinação artística em Lillehammer. Embora sua cumplicidade no atentado sofrido por Nancy Kerrigan não tenha ainda sido comprovada, ela já está por demais comprometida no ataque à rival para merecer a glória de um título olímpico.
É difícil acreditar que o ex-marido –com quem vive uma relação confusa, com rompimentos e reatamentos– e os guarda-costas de Tonya, que já confessaram o crime e incriminaram a patinadora, tenham planejado e executado o atentado sem a ciência da maior interessada. Tudo que Tonya já admitiu foi ter tomado conhecimento da identidade dos agressores de Nancy pouco depois do atentado. Ela não os denunciou à polícia. Já não seria o suficiente para justificar sua exclusão dos Jogos, por violação da ética esportiva?
O Comitê Olímpico dos EUA esboçou uma reação, mas Tonya Harding não se entregou facilmente. Entrou na Justiça com um pedido de indenização milionária, caso fosse excluída dos Jogos, e fez o Comitê recuar. Mas a declaração do presidente da entidade, Harvey Schiller, por si só vale como sentença: "Ainda estamos chocados pelo atentado, que não atingiu apenas uma atleta, mas também os ideais do movimento olímpico. O ataque destinava-se a aleijá-la. Por enquanto, o caso está parado. Vamos concentrar nossas energias nos Jogos." Tudo leva a crer que, encerrada a Olimpíada, não haverá vacilação na punição dos culpados.
O desgaste que a controvérsia vinha causando na delegação norte-americana também pesou na decisão do Comitê de permitir que Tonya compita. Mas o acordo foi um erro, pois servirá apenas para reacender a polêmica. Como reagirá o público à entrada de Tonya Harding no rinque? Até que ponto o caso influenciará os juízes durante a prova?
A obsessão de Tonya pela medalha de ouro, perceptível em várias de suas declarações –"agora, vou provar ao mundo que posso ganhar a medalha de ouro", disse ela, ao saber que poderá competir–, mostra o quanto o ideal olímpico está distorcido em sua mente.
O valor financeiro dessa medalha de ouro, que ela fixou ao pedir uma reparação de mais de US$ 20 milhões, deve ter um papel importante nessa obsessão. Nos EUA, a patinação é um dos esportes mais prezados pela publicidade. Uma vitória olímpica significará uma fortuna em contratos publicitários.
Essa distorção dos ideais olímpicos não é exclusividade de Tonya. A própria Nancy vendeu por US$ 1 milhão, aos estúdios Disney, os direitos pela história do atentado, tornando-se, ao mesmo tempo, vítima e beneficiária desse estranho caso.
Os Jogos Olímpicos mudaram muito nos últimos anos. Muitos noruegueses se queixaram, nos meses que antecederam a competição, da comercialização excessiva da Olimpíada. Promoções como o leilão diário de uma camiseta com os dizeres "Faltam x dias para os Jogos Olímpicos" irritaram os puristas. Não se trata de fazer a defesa do "amadorismo" hipócrita do passado. Mas a hipocrisia deu lugar ao cinismo.
Basta ver a ameaça do COI de eliminar modalidades que têm raízes na própria história dos Jogos, como o pentatlo moderno e o boxe –outras, como o arco e flecha e o tiro, tiveram que mudar suas formas de disputa para torná-las melhor comercializáveis–, para substitui-las por esportes como o vôlei de praia, seguramente mais atraente, mas praticado seriamente em apenas dois países, os EUA e o Brasil. Diante de tudo isso, o teuto-brasileiro Lothar Munder parece o último romântico dos Jogos Olímpicos, pagando do bolso a viagem para ficar em último lugar em sua prova.

Hoje, excepcionalmente, não publicamos o artigo de Matinas Suzuki Jr.

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