São Paulo, terça-feira, 15 de fevereiro de 1994
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A regeneração pelo voto

JOSÉ ROBERTO BATOCHIO

A montanha pariu um camundongo. Esta é a dura realidade, embora possa ela chocar amplos setores do Congresso Nacional e da própria opinião pública. O resultado da CPI do Orçamento não se mostra entusiasmante e todos sabemos que alguns dos parlamentares indiciados por corrupção ainda poderão escapar da merecida punição durante a tramitação do processo na Comissão de Constituição e Justiça e, principalmente, na votação, aparentemente secreta, no plenário das Casas Legislativas.
Há rumores que indicam de modo concreto essa possibilidade.
Sem quebra do respeito que nos merecem parlamentares e lideranças que se pautaram sempre pela lisura e pela correção na vivência legislativa, chegam-nos, diuturnamente, notícias de manobras, conchavos, barganhas e quejandos para que deputados e senadores não fossem submetidos a interrogatório na CPI, fatos esses que não restaram comprovados, mas que, se ocorreram, estão a justificar a condenação pública dos que neles tiveram participação.
Apesar de tudo, a resultante inegável é que melhorou o Brasil com a CPI do Orçamento e deixou o seu relatório final uma conclusão inquestionável: havia corrupção envolvendo parlamentares, empreiteiras e altos funcionários do Executivo. Sem embargo de não haver exposto todo o abscesso corrupto, pela pouca profundidade da incisão investigatória (nem todos os que mereciam estão dentro e muitos dos que se encontram fora deveriam ser incluídos), o certo é que se torna agora incontestável que parte do Congresso Nacional se acha comprometida com interesses contrários aos do povo.
Assim também ocorreu na Itália, onde a chamada "tangentopoli" motivou o desencadeamento da mundialmente conhecida Operação Mãos Limpas. Em face da situação ali vivida, o presidente Oscar Luigi Scalfaro dissolveu o Parlamento, com o apoio de todas as lideranças partidárias, convocando novas eleições, eis que não se admite -segundo o chefe de Estado italiano- que um Congresso, parcialmente envolvido em corrupção, continue a legislar (em favor de quem?).
Prevaleceu, por isso, o superior interesse do povo italiano, que deverá ir às urnas no próximo mês de março, fechando-se o cerco em torno do escândalo ali ocorrido.
No Brasil (onde o sistema de governo não permite a dissolução do Congresso Nacional e a subsequente convocação de novas eleições), mais do que não paralisar a atividade legiferante de um Congresso marcado parcialmente pela suspeita, até a cabal apuração dos fatos, mandamos nossos congressistas reescreverem a Constituição Federal.
Só falta mesmo é, mais do que permitir que os apontados como envolvidos na corrupção votem as propostas de emendas na revisão constitucional, encontrá-los em alguma subrelatoria.
Faz sentido que prevaleçam interesses, majoritariamente econômicos, daqueles que querem a revisão a qualquer preço, realizando-se uma reforma constitucional onde muitos dos participantes se acham sob acusação de graves irregularidades ainda não completamente esclarecidas?Seria mesmo verdade que alguns setores revisionistas adotaram o lema "Com corrupção ou sem corrupção, queremos a revisão"?O que há por trás de tudo isso?
A OAB já alertara a sociedade brasileira para o perigo das emendas compradas (ou seriam vendidas?) na revisão anunciada, antes mesmo de o Brasil conhecer o nome de José Carlos Alves dos Santos, que fez eclodir o escândalo da corrupção do Orçamento, tornando célebres os "sete anões".
Afirmamos, publicamente, a inconveniência da realização da revisão constitucional e tanto foi o quanto bastou para que a fúria dos revisionistas desabasse sobre a nossa entidade e sobre os seus dirigentes, impiedosamente "mordidos", com voracidade predadora, perante a opinião pública, diante da qual até mesmo sua representatividade foi questionada.
Não que isso nos tenha afetado, quebrado nosso ânimo, atenuado nossa determinação ou esfriado nossa vocação de defender os verdadeiros interesses da sociedade nos momentos de perigo para a liberdade, de ameaça à legalidade ou de descrédito das instituições, ainda que essas se conformem a interesses que não são coincidentes com os do cidadão.
Mas é chegada a hora de o povo colaborar, direta e concretamente, para que haja menos corrupção, para que as crises institucionais não ocorram e para que as entidades da sociedade civil não sejam tão acionadas nos momentos agudos da moralidade e da ética a que seus mandatários arrastaram nosso país.
Numa palavra: o povo escolhendo melhor seus representantes, as entidades não serão chamadas tantas vezes às praças públicas.
As eleições de 1994 constituem oportunidade preciosa para se promover no Brasil a regeneração dos costumes políticos, a reformulação ética tão almejada pela nação, com a participação de todos os cidadãos, que ficam exortados a sacar do bolso (ou da bolsa) a mais letal de todas as armas democráticas -o voto- e fulminar a corrupção futura, o embuste e a desonestidade.
Talvez assim não precisemos, com tanta frequência, voltar às ruas em defesa do interesse público.

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