São Paulo, quarta-feira, 16 de fevereiro de 1994
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Nossos heróis anônimos

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – A Folha publicou ontem notícia que deveria orgulhar a todos os brasileiros. Habitualmente críticos (e corretos), relatórios internacionais já estão reconhecendo avanços nos direitos humanos no país. E de quem é a responsabilidade? Claro que não é da fatia de nossa elite que, hoje, pode ser simbolizada por um presidente deslumbrado por uma manequim sem calcinha.
Ainda não dá para comemorar, claro. Prosseguem as chacinas impunes, patrocinadas por policiais e esquadrões da morte. Ainda falta muito para que pulemos fora do estágio de barbárie. Mas a situação pouco a pouco está mudando, acompanhando a revolução da cidadania no Brasil.
A pressão popular está aumentando, o que estimula a ação das autoridades. Os relatórios ressaltam que, nas chacinas da Candelária e Vigário Geral, houve pronta reação do governo do Rio –gente acabou na prisão. Em São Paulo, a matança da PM caiu drasticamente depois do episódio do Carandiru.
Para que o cenário começasse a sofrer alteração, muitos heróis anônimos se expuseram contra a violência impune; alguns morreram, outros foram perseguidos, alguns torturados. Todos tiveram e têm, em maior ou menor grau, de administrar o medo. O país oficial causa decepção e irritação. Por falta de seriedade, não se consegue baixar a inflação e reduzir a dívida social –a mediocridade é generalizada. Tivéssemos no setor público uma pequena parcela do desprendimento desses milhares de heróis anônimos das favelas e bairros periféricos que ousam enfrentar a violência institucionalizada, estaríamos, agora, bem melhor.
Felizmente, indivíduos como Itamar Franco passam e, logo, eles se recolhem ao seu exato tamanho –aliás, no próximo Carnaval, já fora da Presidência, ele que experimente voltar ao Sambódromo para ver se terá tantas manequins disputando sua atenção.
Mas o reconhecimento dos heróis anônimos, gente que nunca conseguirá ir nos camarotes badalados, merecerá respeito e admiração. É gente simples que reescreve e dignifica todos os dias a história de um país, dedica-se a causas humanitárias.

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