São Paulo, quinta-feira, 17 de fevereiro de 1994
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Krzysztof Kieslowski se despede do cinema

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

Aos 62 anos, Krzysztof Kieslowski vai se despedir da vida pública no próximo festival de Cannes, em maio, ao lançar o último episódio de sua trilogia, "Trois Couleurs: Rouge" (Três Cores: Vermelho).
As razões são discutidas na entrevista que se segue, concedida na manhã de ontem à Folha. O diretor polonês do "Decálogo", que concorre aqui ao Urso de Ouro com a segunda parte de sua trilogia a partir dos três ideais da Revolução Francesa, a comédia "Trois Couleurs: Blanc" (Três Cores: Branco), vai se dedicar exclusivamente à vida doméstica e recuperar o tempo perdido. "Basta de vida pública", afirmou categoricamente o cineasta ao final do encontro, desenvolvido em clima descontraído, entre goles de Coca-Cola e mediado por um intérprete polonês-inglês.

Folha – Comecemos por "Blanc": o senhor trabalha em geral com uma equipe fixa; Krzysztof Piesiewicz como co-roteirista, Zbigniew Preisner como músico, mas na trilogia tem variado de fotógrafo. Por quê?
Krzysztof Kieslowski - É bom para a equipe manter algumas pessoas e mudar outras, como Preisner por exemplo. Diferentes diretores de fotografia têm olhares completamente distintos e isso resulta muito interessante no cinema. São filmes diferentes que exigiam estilos diferentes. Achei interessante variar.
Folha – "Blanc" nos passa um intenso desconforto com a vida no estrangeiro. É isso autobiográfico?
Kieslowski - Não exatamente. Mas é claro que há vários sentimentos meus que pus neste filme. Meus sentimentos são tudo o que tenho.
Folha – O senhor recebeu projetos de produtores americanos? De que tipo?
Kieslowski - Sim, recebi. Em geral me mandavam livros que queriam adaptar. Nada me interessou. Um deles, por exemplo, era uma adaptação de Isaac Bashevis Singer. Mas não me interessava trabalhar nos EUA.
Folha – O senhor anunciou sua aposentadoria após a estréia em Cannes de "Rouge". Por quê?
Kieslowski - Já fiz filmes o bastante. O cinema continua a me interessar, ainda que pouco de interessante esteja sendo feito, mas não quero mais trabalhar nele. Fazer filmes é uma profissão, um jeito de ganhar a vida. Tenho 62 anos. Fiz isso por 25 anos e isso me obrigou a renunciar a uma série de coisas em minha vida particular. Estive sempre ocupado demais. Não fiquei rico, mas tenho o bastante para viver. Não se preocupe (risos).
Folha – O senhor começou estudando teatro. Pretende agora voltar?
Kieslowski - Não, não quero voltar ao teatro. Estudei numa escola para técnicos de teatro antes de ir para a escola de cinema de Lodz. Anos depois, dirigi apenas uma peça num teatro importante e a partir de um texto meu. Foi um fracasso. Como não tenho nenhuma boa lembrança, não quero voltar ao teatro.
Folha – Woody Allen disse recentemente que está farto de cinema mas que quer se aposentar e continuar contando histórias. O senhor também já se definiu como um "contador de histórias". Vai fazê-las por outros meios?
Kieslowski - Claro, vou continuar contando histórias. Mas para minha mulher, minha filha, meus amigos e meu cachorro. Ele adora escutá-las (risos).
Folha – É o fim do contador de histórias para um largo público?
Kieslowski - Sim. Basta de vida pública.

Hoje excepcionalmente não publicamos a coluna "Qualquer Viagem" de David Drew Zingg.

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