São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 1994
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Morte de um quase partido moderno

LUÍS NASSIF

Quanto mais se sente perto do poder, mais do poder o PT se afasta. Os recentes embates na executiva deixaram a mostra o principal vício do partido: a incapacidade de pensar estrategicamente e de sobrepor às disputas internas as lutas maiores do partido.
Até algum tempo atrás, grupos minoritários não tinham espaço dentro do PT, por excesso de desunião e ausência de projetos nacionais.
Foi a perspectiva de tomada de poder que provocou uma aliança tática, que acabou por juntar desiguais, permitindo-lhes tomar o controle da máquina.
A partir daí, passaram a ser derrubadas uma a uma as bandeiras de modernização social e de recuperação da cidadania, levantadas pelo partido em fins do ano retrasado e que haviam despertado a esperança de que finalmente a esquerda brasileira havia encontrado um discurso moderno.
Modelo prático
Longe da cultura livresca desinformada desses ativistas políticos, o modelo petista anterior –contido em sua carta programa– havia se desenvolvido a partir da observação prática da realidade, por lideranças sindicais modernas, preocupadas com a questão do emprego e dos salários. E não em utilizar temas sociais meramente como instrumento de tomada de poder.
A partir da observação sobre o que ocorria com o setor automobilístico no mundo, e no Brasil, esse grupo evoluiu das meras reivindicações salariais para um discurso abrangente, que continha um verdadeiro projeto de nação.
Foi esse discurso que permitiu a consolidação da câmara setorial da indústria automobilística, que garantiu emprego e salários aos metalúrgicos, vendas e lucros às empresas, tributos aos governos federal e estaduais, um crescimento de 11% no PIB industrial brasileiro e a retomada da esperança na competitividade da economia nacional.
Discurso da cidadania
Enquanto isto, no Congresso Nacional, alguns parlamentares do PT evoluíam para uma visão de enorme competência sobre as raízes da crise brasileira e sobre a necessidade de subordinar o Estado ao controle da cidadania.
Parlamentares como José Genoíno, Paulo Delgado, Eduardo Jorge e Aloizio Mercadante passaram a exercitar frequentemente o discurso da cidadania. Sua agenda passou a ser ocupada por temas como a municipalização da saúde, controle social sobre as empresas estatais, privatização com fundos sociais, flexibilização de dogmas como monopólios públicos e estabilidade do funcionalismo, criando uma alternativa moderna ao neoliberalismo.
Enquanto isto ocorria, a máquina partidária era gradativamente tomada por grupos radicais de pouca ou nenhuma expressão eleitoral –com compromissos apenas com a tomada do poder no partido.
Não se julgue que temas como moratória, cancelamento de privatizações, auditoria na dívida externa e outras maluquices sejam matérias de fé para esses radicais que dominaram o partido. Eles recorrem a tais simplismos porque é a maneira mais fácil e esperta de dominar uma militância dotada de um fervor evangélico e de uma credulidade bíblica.
Comandante de nada
O vício da luta armada levou esses grupos radicais a considerarem como objetivo final a dominação ou destruição de outros grupos de esquerda. Foi assim que se apossaram da campanha eleitoral de Plínio de Arruda Sampaio, candidato à prefeitura de São Paulo, e a destruíram em pouco tempo –por incompetência e incapacidade de entender o eleitor.
Eleitoralmente, esses grupos não têm a menor importância. Intelectualmente, limitam-se a repetir velhas lições mal aprendidas. Sua única fonte de poder é o controle burocrático que exercem sobre a figura pública de Lula.
Mas desde a campanha anterior, Lula tem revelado uma falta de energia, uma ausência de confiança no próprio taco, que dificilmente pode-se acreditar que irá se livrar do abraço de afogado desses grupos radicais.
Justamente por isso, setores que apoiaram Lula contra Fernando Collor de Mello e mesmo setores mais moderados do petismo tenderão gradativamente a se afastar do buraco negro dessa radicalização estéril.
Mesmo se Lula vier a vencer as eleições o PT será um partido morto, constituído apenas por esses radicais, agora devidamente amestrados pelos cargos públicos que eles disputaram com tanto afinco.

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