São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 1994
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O Brasil na encruzilhada

MARCÍLIO MARQUES MOREIRA

O país está amadurecido para tirar as lições de seus próprios erros
Os participantes do Fórum de Davos, cuja opinião reflete a dos principais centros financeiros internacionais, têm do Brasil duas percepções bem diferenciadas entre si. Enquanto uns vêem o país com uma indiferença que beira ao desgosto, outros nutrem uma acesa esperança, embora marcada por perplexidade.
Para os primeiros, o Brasil auto-isolou-se do mundo. Expectativas repetidamente frustradas fizeram o país sumir das telas de radar que registram as oportunidades de bons negócios e investimentos promissores.
Já para os otimistas, o estoque de más notícias emanadas do Brasil esgotou-se. O país cansou-se das mágicas, procrastinações e pajelanças com que se vem iludindo desde o início da década de 80. Está, portanto, amadurecido para tirar as lições de seus próprios erros, sobretudo deixando de repeti-los e para começar a atentar para os novos ventos que vêm arejando o mundo econômico.
A observação de longe de nossa realidade ajuda-nos a enfocar com mais clareza a dicotomia de visões que se opõem na interpretação de nossos problemas e, em consequência, de seu encaminhamento.
De um lado, pesam, para engrossar o ponto de vista derrotista, a nossa condescendência inconsciente, que não é de hoje, com o perverso vírus da inflação. Esta, além de seus malefícios diretos, corrói o poder real de compra dos consumidores, contrai os mercados; comprime a poupança e em consequência o investimento; e gera incertezas quanto ao futuro, induzindo à recessão. Acrescem a nossa insistência em remar na contramão da história; o descaso gritante com o investimento no homem e, em geral, com a dimensão social do crescimento; o atraso nas reformas estruturais inadiáveis; entre outras, a educacional, a fiscal, a patrimonial (inclusive a privatização), a federativa, a partidária e a eleitoral.
De outro lado, temos a animar-nos a invejável trajetória secular da economia, o nosso potencial de recursos humanos e naturais, o amplo mercado e o extenso parque produtivo. E, ainda, a tradição política que tem sabido encontrar soluções adequadas –embora muitas vezes tardias– para viradas cruciais de nossa história; a independência, a abolição, a República, a crise dos anos 30, o pós-guerra e, mais recentemente, a redemocratização.
Se olharmos com mais atenção o que se está passando nos últimos anos –a despeito ou por causa da crise– podemos identificar uma "revolução slienciosa" que vem transformando irreversivelmente a agenda nacional: o mercado brasileiro abriu-se ao mundo; a atividade econômica descomplicou-se (o fim do controle de preços é exemplo eloquente); os processos produtivos passaram a privilegiar produtividade, qualidade e gestão moderna em vez de proteção, subsídios e subvenções. Com isto o setor privado libertou-se do jugo do Estado e investiu em si mesmo, tornando-se o principal motor da recuperação em curso.
Sem termos que recorrer a Lambert, prevalece a dualidade dos dois Brasis, complexos e contraditórios. Um Brasil continua atolado na crise enquanto o outro está prestes a decolar e dar certo. Qual deles afirmar-se-á?
A resposta, ao menos no que respeita ao período que nos separa da virada do milênio, poderá advir da maneira pela qual soubermos enfrentar os vários momentos definidores que, a partir da próxima semana, congestionarão a agenda econômica e política do Brasil em 1994, a saber:
1. a aprovação final e a implementação adequada do programa de estabilização econômica, assegurando-nos equilíbrio orçamentário, previsibilidade econômica e uma moeda confiável. Para isto é fundamental a recuperação definitiva do crédito público, seriamente abalado desde o início da década de 80 pelos repetidos assaltos, pelo poder público, à poupança privada;
2. a qualidade, abrangência e profundidade da revisão constitucional, provendo-nos com uma Carta Magna consentânea com a dimensão de nossos desafios: é preciso desburocratizar a vida econômica, tornar operacional o convívio entre os poderes e as diversas esferas da Federação, abolir os monopólios públicos e privados, extinguir privilégios corporativistas, criar clima próprio para novos investimentos e a retomada sustentável da atividade econômica;
3. o bom e expedito andamento do processo de depuração de nossos costumes políticos e econômicos. Para isto, extinguir a inflação é crucial, pois esta corrompe o próprio conceito de valor e, portanto, a base de qualquer ética econômica e política;
4. a conclusão do processo de normalização de nossas relações financeiras externas, com o fechamento dos acordos com o FMI e os credores privados. Isto deve ocorrer até 15 de abril próximo e significará termos virado, uma vez por todas, a penosa história da dívida externa para começarmos a escrever a do crédito renovado e a dos investimentos retomados;
5. a continuidade do processo de reformas estruturais, nos campos político, econômico e social, desburocratizando a atividade econômica, enxugando o Estado para torná-lo hígido e eficaz e atacando, de rijo, a dívida social, certamente a mais pesada de nossas dívidas;
6. eleições que assegurem representatividade equilibrada e autêntica, viabilizem a formação de sólidas maiorias operacionais e assegurem o grau de boa governança indispensável para o êxito de um processo de modernização sensível às aspirações nacionais e às exigências da eficácia econômica, liberdade política e justiça social.

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