São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 1994
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Competitividade e microempresa

ANTONIO KANDIR

Nestes tempos de competição cada vez mais acirrada, as empresas têm buscado combinar, às vezes desigualmente, dois vetores de mudança que são bastante aparentados: 1) a incorporação de novas tecnologias ao processo produtivo tomado em sentido estrito; 2) a incorporação de novos métodos de organização do trabalho, no chão da fábrica e na administração, com reorganização da estrutura e redefinição dos objetivos da empresa.
Especialmente nesse último processo, tem-se verificado a tendência de as empresas se concentrarem em algumas atividades/setores fundamentais nos negócios que lhes são típicos. Essa tendência resulta tanto em retirada completa de determinados setores emque antes atuavam, como na supressão de funções e fechamento de departamentos internos.
O "enxugamento"/"desverticalização" das empresas, como estratégia para diminuir custos e aumentar eficiência, via concentração no "core business" e maior interação, tem produzido crescente terceirização de atividades, tanto na área de serviços, como na área produtiva em sentido estrito, com efeitos importantes sobre a estrutura industrial e do mercado de trabalho.
Esse fenômeno faz com que a capacidade de competir das grandes empresas dependa cada vez mais da existência de uma rede de pequenas e microempresas aptas a fornecer bens e prestar serviços com eficiência e qualidade adequadas, sem o que as grandes empresas ficam entre a cruz e a caldeirinha: ou mantêm estruturas "inchadas" e custosas e perdem condições de competir com estruturas mais "ágeis" e "enxutas", ou se aventuram em processos de terceirização contraproducentes.
Para a formulação da política industrial, são claras as implicações dessa nova realidade: trata-se hoje de estimular o desenvolvimento bem-sucedido de pequenas e microempresas e remover obstáculos à parceria com as grandes, tanto para elevar a competitividade, como para criar empregos.
Os estímulos devem ser de várias ordens. O mais importante, porque imprescindível, diz respeito ao financiamento. A esse respeito, o problema fundamental está na dificuldade que micro e pequenas empresas enfrentam para obter crédito bancário, por não poderem oferecer, via de regra, as garantias necessárias. A solução nesse caso é, à semelhança do que vem sendo feito pela Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), órgão federal, constituir fundos a que novos micro e pequenos empresários possam recorrer para oferecer garantias e expandir ou criar novos negócios.
A simplificação do sistema tributário, sem liberalidades que impliquem perda de receita global, e a desburocratização dos procedimentos para abertura, funcionamento e fechamento de micro e pequenas empresas, sem abrir campo ainda maior para a "informalidade", seriam também estímulos importantes. Quem teve ou tem experiência no ramo, sabe que micro e pequenos empresários não têm condições de arcar com os custos administrativos necessários ao recolhimento de uma verdadeira coleção de impostos, taxas e contribuições. Sabe também que muitos negócios deixam de ser criados pela simples complicação burocrática e pelo temor de que esta venha a ser ainda maior e mais custosa com o tempo.
Por fim, vale ressaltar a importância de existir um sistema de informações tecnológicas e promoção comercial capaz de ampliar os horizontes de mercado e manter "atualizados" pequenos e microempresários. Embora pequenas e microempresas articuladas com grandes empresas possam valer-se da estrutura e canais de informação e comercialização de que estas dispõem, a atuação incisiva do Poder Público é fundamental para generalizar essas oportunidades.
Em suma, é preciso ver grandes empresas, de um lado, pequenas e micro, de outro, como necessariamente complementares e solidárias. Do ponto de vista da estrutura industrial e da competitividade, quanto mais estreitamente articuladas, melhor.

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