São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 1994
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Máquina dá forma a cheiros

ANDY COGHLAN
DA "NEW SCIENTIST"

A Neotronics, uma empresa britânica com sede em Bishop's Stortford, em Hertfordshire, criou o primeiro nariz artificial do mundo, capaz de detectar batatinhas fritas estragadas pelo cheiro e distinguir champanhe de vinho branco, também pelo cheiro.
A empresa diz que seu "nariz" pode ser adaptado para ser utilizado em qualquer indústria cujos produtos e processos dependam de cheiros, aromas, vapores e gases. O nariz, desenvolvido originalmente em cooperação com a indústria cervejeira, será provavelmente utilizado para detectar, pelo cheiro, a contaminação de alimentos, bebidas, perfumes e medicamentos.
"Trata-se, basicamente, de uma versão simplificada do nariz humano", diz Diana Hodgins, gerente de tecnologia da Neotronics. "Mas nosso aparelho tem apenas uma dúzia de sensores, enquanto o nariz humano tem cerca de 10.000".
Como o nariz humano, o aparelho não consegue identificar os ingredientes exatos de um aroma ou as quantidades de cada ingrediente que estejam presentes. Mas enquanto nós analisamos aromas através do conhecimento que temos de um cheiro específico, o nariz da Neotronics registra um aroma específico como uma "impressão digital" única, gerada pelos 12 sensores.
Os sensores são feitos de polímeros especiais que transmitem eletricidade. Eles adsorvem –ou seja, atraem para sua superfície– os ingredientes voláteis presentes em aromas, vapores e gases. À medida que os ingredientes se ligam ao polímero, eles ou prejudicam ou melhoram sua capacidade de conduzir a eletricidade. Como os 12 sensores são feitos de polímeros diferentes, cada um deles adsorve combinações diferentes de ingredientes na amostra. Isto significa que sua condutividade muda e que estas variações podem ser medidas e processadas eletronicamente para produzir impressões digitais visuais.
O software criado pela Neotronics apresenta as impressões digitais de várias maneiras, mas a mais prática delas é o "diagrama polar". A saída dos sensores é representada por um gráfico redondo em que a saída de cada sensor ocupa um duodécimo de um círculo. Vistos em conjunto, os 12 segmentos produzem um desenho que é tão característico quanto uma impressão digital. Os diagramas polares do vinho branco e do champanhe, por exemplo, são completamente diferentes.
Hodgins diz que em pouco tempo várias indústrias poderão adaptar o nariz eletrônico para testar seus cheiros e aromas específicos. Por exemplo, uma empresa que fabrica refrigerantes poderia formar um banco de dados de impressões digitais de aromas "errados" –por exemplo, aqueles resultantes de se acrescentar açúcar demais. Ela também poderia incluir patamares, de modo que as variações a partir de um ponto de referência sejam toleradas até determinado ponto.
"Este é o primeiro sistema que pega um perfil e diz 'isto é café' e 'aquilo é champanhe' ", diz George Dodd, do Instituto de Pesquisas Olfativas da Universidade de Warwick. Foram as pesquisas com cheiros realizadas por Dodd nos últimos trinta anos que formaram a base para a criação do nariz eletrônico.
Dois minutos
Segundo a Neotronics, o preço de seu nariz, que custa cerca de 20.000 libras esterlinas, é entre 25 e 50% o de outros aparelhos analíticos, como o cromatógrafo a gás. O nariz eletrônico fornece resultados em dois a três minutos. Curiosamente, a Neotronics não faz muita idéia do tipo de compostos que cada sensor adsorve, embora já tenha identificado, através de tentativa e erro, algumas receitas de polímeros que funcionam com a maioria das coisas que conseguimos cheirar e com algumas que não conseguimos. "Sabemos mais sobre estes sensores polímeros do que qualquer pessoa no mundo, simplesmente porque já usamos e testamos tantos deles", diz Hodgins.
A Neotronics encarregou Michael Cooke, professor de química na Universidade Sheffield Hallam, de descobrir mais sobre a química da adsorção. A Neotronics espera que com uma compreensão melhor dessa química ela possa fabricar aparelhos sensores sob medida, para detectar cheiros específicos de indústrias determinadas.
O nariz eletrônico já atraiu a atenção de grandes multinacionais, entre elas a Coca-Cola, a Miller (maior fabricante norte-americana da cerveja), a Bass (maior fabricante britânica de cerveja), a Weetabix e várias empresas farmacêuticas. A Bass participou das fases iniciais da criação do nariz eletrônico, que foi patrocinada pelo Departamento de Comércio e Indústria.
O principal trabalho do nariz eletrônico na Bass era detectar, pelo cheiro, a presença de diacetil, um sabor amanteigado de "passado" que às vezes é produzido durante a fermentação da cerveja. Quando se detecta a presença desta substância, a fermentação precisa ser interrompida para dar tempo ao levedo de converter o diacetil em um álcool que não possui sabor.

Tradução de Clara Allain

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