São Paulo, segunda-feira, 21 de fevereiro de 1994
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Catimba, uma paixão nacional

MARCELO FROMER; NANDO REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Hoje estamos batizando a nossa coluna, que completa seis meses de existência. Além de um nome, essa coluna contará com a participação de um personagem: o Catimba, criação a seis mãos entre essa dupla e o cartunista Laerte. Cabem esclarecimentos.
O nome 'Minuto de Silêncio' tem menos uma conotação mórbida do que o caráter de um pedido de atenção: o minuto sintetiza a unidade de tempo compactada e possível de ser dispendida numa leitura de jornal. Não estamos insinuando que o nosso futebol mereça as homenagens de um cadáver, mas merece a atitude de reverência das ocasiões solenes.
Quanto ao Catimba, óbvio que ele é um apaixonado por futebol. Quando surgiu o apelido de Catimba, ficou furioso. De pronto rechaçou: Catimba uma pinóia! Mas aos poucos foi aceitando, gostando até. Ao entrar na quadra no primeiro dia de aula estava certo de que era um Rivelino. Com a bola nos pés, olhava para um lado e tocava-a para o outro sentindo-se um Mário Sérgio. Mas não passava de um exibido.
Sob influência do pai, um fanático, desde pequeno fora acostumado a ir aos estádios. Seu pai era daqueles que brigavam com vizinho de arquibancada, apenas porque esse se referia a um jogador que ele gostava com palavrões. E quando seu time perdia, então, era um Deus nos acuda.
Aliás, a derrota sempre teve um sabor muito amargo para o Catimba. Espírito esportivo não fazia parte de seu estreito vocabulário. Na verdade, esse inconformismo com a derrota é consequência de sua formação futebolística. A primeira Copa que assistiu com consciência foi a de 70. A sua identificação com aquele futebol fluente e malicioso fez com que ele aceitasse até com certo orgulho o seu apelido. Era esse futebol que ele admirava: insinuante, de improvisações e malandragens que, de algum modo, associava ao termo catimba.
Cresceu tendo como referência os lançamentos de 40 jardas de Gérson e as matadas no peito de Pelé e, talvez, por isso tenha sido tão difícil ver ao longo dos anos a bola sendo enroscada por um Valdomiro, ou se convencer da utilidade de um título moral ostentado por Coutinho. Em 82, apesar da derrota, o seu coração voltou a palpitar: o futebol brasileiro estava vivo. A frustração de 86 também foi mais agradável do que o anêmico futebol de Lazaroni com a sua seleção-amnésia.
Assim, em sua memória, ficaram registrados dois grupos distintos: o futebol das pranchetas e o futebol das chuteiras. O que mais aterroriza o nosso herói, quando ele olha o atual selecionado, é a possibilidade de o time reeditar nessa Copa aquilo que não deixa marcas na memória. Um futebol de táticas, com excesso de computadores e ausência de jogadas. Um futebol com muito rótulo e pouca convicção; futebol número um apenas no slogan.
O nosso herói não consegue se convencer que o dogmático futebol programado por Parreira seja capaz de levantar novamente o espírito irreverente que sempre fez com que gritássemos os gols da seleção, como se fossem a nossa vingança pessoal contra aqueles que roubaram a nossa alegria. Com o Teimoso faltam 116 dias para perdermos mais uma Copa.

Marcelo Fromer e Nando Reis são do Titãs

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