São Paulo, segunda-feira, 21 de fevereiro de 1994
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Soon quer impor seu estilo rap-jazz-soul

CELSO FIORAVANTE
DA REDAÇÃO

Soon E MC é rapper, mas é modesto. Não cita seu próprio nome a cada dois de seus versos e prefere tocar como se estivesse em casa, entre amigos. Já gravou dois discos, "Rap, Jazz, Soul" e "Atout... Point de Vue", e é fã confesso do rapper norte-americano Guru (chegou a citá-lo na faixa "Sur le Boulevard du Rythm' Funky", do primeiro disco). Em seus dois trabalhos, Soon prova que o cool-rap não tem apenas uma estrela (MC Solaar). De Paris, por telefone, falou à Folha sobre sua infância, seu método de composição, sua relação com Solaar e seus amigos músicos. Leia abaixo a entrevista, a terceira desta série sobre o rap francês.
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Folha - Quando você começou no rap?
Soon - Comecei a fazer rap em 1988, com 18 anos. Hoje tenho 23. Eu digo 1988 porque foi nesse ano que fiz a primeira emissão no rádio. Antes eu fazia rap com meus amigos, no meu bairro, mas eu não era profissional. Além de várioas programas de rádio, fiz também muitos concertos de rap. Naquela época, aconteciam mais concertos que hoje. Trabalhei com MC Solaar uns dois anos e depois que Solaar assinou com a Polydor, pensei: "Soon, você também tem uns textos que não são maus, muitas pessoas podem apreciar isso que você está fazendo". Então eu e o meu DJ, Seeq, fomos a EMI. Depois de seis meses de negociação, assinei meu contrato.
Folha - E Seeq continua trabalhando com você?
Soon - Sim. Seeq e eu somos a base. Eu escrevo, ele faz as músicas, mas hoje existe uma banda conosco. Há um ano, eu decidi formar um grupo e comecei a convidar amigos instrumentistas, dançarinos... Sempre quis fazer minhas apresentações ao vivo e hoje chego a me apresentar com 14 ou 15 pessoas no palco. Tem DJ, bailarinos, saxofones, guitarras, bateria, baixo, coristas... Somos uma grande família.
Folha - É isso que diferencia a sua produção da de outros rappers franceses?
Soon - Para falar a verdade, não sei se isso é realmente importante, mas para mim é necessário. Posso dizer que teria sido impossível gravar "Rap, Jazz, Soul" apenas com samplers. Atualmente, na maior parte da cena rap francesa, se vê apenas o DJ, dançarinos, coristas e rappers. Eu já não me contento em apenas ouvir a música, quero vê-la também. Com os meus músicos no palco, comigo, estou realmente contente. Quando eu escuto o saxofone, sei que ele está lá, posso vê-lo em seu feeling. E assim com o baixista e com os outros integrantes do grupo.
Folha - Você utiliza algum método particular para compor seus raps?
Soon - Não sou músico. Aprendi música quando era criança, mas esqueci quase tudo. Hoje só sei fazer o "dó ré mi fá sol lá si dó" no piano e assim encontrar alguns acordes. Mas por outro lado, sei pensar a música. Eu não conseguiria tocá-la no piano ou qualquer outro instrumento, mas posso fazer a linha de base com minha voz (e Soon faz alguns sons com a boca). Posso imaginar o papel de cada instrumento e ir compondo a canção.
Folha - Hoje seria impossível para você tocar sem seus músicos?
Soon - Posso tocar sem meus músicos, apenas com meu DJ. Seeq tem todos os instrumentos, os sintetizadores, os samplers... Podemos tocar tudo, mas para mim isso serve para ensaiar. Hoje almejo muitas coisas além.
Folha - Você já foi DJ?
Soon - Sempre fui rapper. Tenho alguns discos em casa, coisas que eu não tinha há alguns anos... Há uns dois, três anos pude comprar meu aparelho de som e meus discos com mais regularidade, coisas que não pude fazer durante toda minha vida.
Folha - O título de seu primeiro disco, "Rap, Jazz, Soul" é uma síntese de seus desejos musicais?
Soon - O rap para mim é uma realidade, é o cotidiano que eu vivo regularmente. Escolhi o jazz por sua identidade, que para mim segnifica os músicos, a "jam" que encontro no palco. E o soul por sua sinceridade, porque tudo aquilo que o soul diz, vem do coração. Não são apenas palavras jogadas fora, blá-blá-blá. Não posso dizer que isso é tudo o que sempre esperei na vida, mas posso dizer que me sinto bem atualmente e que assim o serei por um bom tempo, acredito.
Folha - O seu primeiro disco possui uma continuidade, uma homogeneidade que não se observa nos álbuns de rap. Como você conseguiu isso? Foram as suas influências?
Soon - Eu amo a percussão, embora ela não apareça tanto no álbum. O trombone, o trompete, o saxofone. E não é só. Também tem o baixo, que em alguns momentos é lento e em seguida, rápido. Isso cria um certo "groove"... Como eu dizia, não posso falar em nomes. Hoje eu tenho um contrato, muitos discos, posso dar nomes. Mas no início, não. Tinha um gravador, algumas fitas, meus amigos me emprestavam algumas coisas. Escutava Diana Ross, Supremes, Marvin Gaye. Hoje escuto Galliano, Jamiroquai... Isso para ficar em um ambiente mais "jazzy", mas eu escuto Police, Sting, Bob Marley... Não posso dizer que escuto muito rock, mas até que escuto um pouco.
Folha - De onde vem seus pais? Suas raízes influenciam sua criação?
Soon - Não muito, eu acho. Minha mãe é de Guadalupe e meu pai, do Zaire. As raízes existem sempre porque antes do jazz chegar em Nova Orleans ou Chicago, ele estava com os negros africanos. Tudo isso que fazemos hoje não vem de ontem, mas de anteontem. Por isso me sinto bem em fundir o rap com o jazz e o soul e dar à minha música este estilo rap-jazz-soul.
Folha - Você participa do disco de estréia de MC Solaar na faixa "L'Histoire de l'Art"...
Soon - Sou eu quem canto. "...Ce sont des pompeurs/ Des maitres copieurs/ Le mot est faible lorsqu'on appelle suckers..." (e Soon repete sua participação)
Folha -Mas depois disso, você acabou não participando da coletânea "Les Cool Sessions". Você brigou com Solaar?
Soon - Não. Eu não quis participar do "Les Cool Sessions". Eu tinha apenas acabado de gravar "Rap, Jazz, Soul", tinha que promover o disco, gravar o novo... E existem muitos grupos novos que precisavam de promoção. Mesmo a presença de Solaar, é para aumentar a promoção do trabalho. Trabalhei com Solaar em seu segundo disco também. Mas é bom dar espaço para os outros e fazer o próprio trabalho. Solaar está na coletânea porque é o rapper de Jimmy Jay e se um dia Seeq fizer uma coletânea, tenho certeza que terei uma faixa.
Folha - Você tem feitos shows pela França?
Soon - Sim. Recentemente fiz três dias aqui em Paris e uma pequena turnê pela Europa. Foi realmente bom.

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