São Paulo, segunda-feira, 21 de fevereiro de 1994
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Modelos e atrizes

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

SÃO PAULO – O eufemismo já era conhecido, mas tornou-se a atual vedete do léxico: "modelo e atriz", no uso corrente, vai servindo para designar uma considerável faixa social composta de mulheres, cujas atividades produtivas envolvem trabalhos... suspeitos. Ou, parodiando a velha piada: suspeitos, não –de prostituta mesmo.
Como a imprensa tem noticiado mais do que fartamente, há, de fato, "agências de modelos" que servem de fachada para a administaração lucrativa daquela que se diz ser a mais antiga das profissões. E qualquer pessoa que já representou um sketch num show de strip-tease pode se autodenominar atriz.
Mas o uso oblíquo da expressão encerra, evidentemente, um preconceito de fundo machista. Modelo, atriz e dançarina são profissões que a ideologia familiar conservadora sempre procurou afastar do horizonte de suas filhas –não por isso mais virtuosas.
Mais recentemente, embora ainda encontrem algumas resistências, essas atividades passaram a ter franca aceitação e, em muitos casos, a ser até mesmo motivo de orgulho –e de ganhos materiais– para diversas famílias. A folclórica figura da mãe de miss foi trocada pela mãe de modelo e atriz –sempre zelosa a defender a suposta virgindade de suas filhas e a cuidar de seus interesses empresariais.
O episódio patético envolvendo Itamar Franco e Lílian Ramos não apenas voltou a fixar, através dos meios de comunicação, o caráter discriminatório da expressão, como trouxe à baila uma série de outros ingredientes conservadores –tanto pelo lado da hipocrisia do "tudo bem" quanto pelo lado dos horrorizados. É o caso do argumento, usado pelo próprio presidente, de que o "povão" estaria aprovando o casal que se formou no camarote da Sapucaí.
O subtexto é o seguinte: muitos pensavam que Itamar teria inclinações homossexuais e ele provou que é homem para valer. Como se a preferência sexual do presidente fosse básica para um bom governo e como se um "homem para valer" se definisse pela companhia de mulheres sem calcinha num desfile de escola de samba.

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