São Paulo, terça-feira, 22 de fevereiro de 1994
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Perigo à vista

JOSÉ SERRA

Um dos maiores equívocos que poderiam ser cometidos nesta revisão constitucional seria a mudança do prazo de desincompatibilização para que prefeitos, governadores e o próprio presidente da República (se for o caso) disputem as eleições de outubro próximo.
Não porque o prazo de seis meses, fixado pela Constituição, não deva nunca ser alterado. A questão é outra: modificá-lo para vigência imediata, ainda este ano, significaria casuísmo, representaria uma violência e uma manipulação da Constituição para fins estritamente particulares.
Inusitado, ainda, é que alguns governadores sugiram publicamente que, se esse casuísmo for aprovado, eles intensificarão seu apoio ao processo revisor. Ou seja: a Lei Maior do país seria ou não alterada, em dispositivos cruciais para a vida brasileira, se forem ou não concedidos mais três ou quatro meses para governadores e prefeitos candidatos prosseguirem em seus cargos!
Isto significaria transformar a Constituição no lugar geométrico de um verdadeiro mercado persa político, valeria por um toma-lá-dá-cá à custa da institucionalidade brasileira que, bem ou mal, a Constituição expressa.
É preciso lembrar que o fator que mais prejudicou a elaboração final da Carta de 1988 foi o troca-troca em torno do mandato de cinco anos para o então presidente Sarney.
Reitero que a revisão constitucional é um processo absolutamente necessário que, irrefletidamente, foi marcado para ser feito numa época errada –nas vizinhanças de um ano superleitoral. Por desgraça, o atual Congresso não teve o descortino de antecipá-la, nem tampouco quis encontrar uma alternativa para salvá-la do ano eleitoral.
Imobilizado pela insistência dos ingênuos e pelos conflitos exacerbados entre os "contras" e os que desejavam (e desejam) a revisão só como palanque eleitoral, o Congresso preferiu fincar pé em prazos notoriamente desaconselháveis. Resultado: já chegamos a março e nada foi votado (exceto o Fundo Social de Emergência que, na verdade, pegou carona na revisão e se refere a medidas transitórias).
O que poderia acontecer de pior agora? Sem dúvida, começar algum processo de barganha na tentativa de apressar a revisão. Os governadores querem um casuísmo para si? Depois viriam os partidos, as regiões, as bancadas que representam estas ou aquelas corporações, todos reivindicando seus casuísmos. E pronto. Em vez de uma revisão que ajude a consertar o país, teríamos um conjunto de alterações que acabarão piorando o texto constitucional ou, na melhor das hipóteses, ajudando a desmoralizá-lo ainda mais.
Portanto, minha oposição (que é também de meu partido, o PSDB) a esse casuísmo deplorável não se detém apenas no mérito da barganha específica, tentada por governadores e prefeitos que desejam candidatar-se em 1994. Visa também impedir que, puxada a ponta do barbante, se desate um troca-troca institucional, devastador para a revisão da Carta Magna e para as esperanças do país.

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