São Paulo, terça-feira, 22 de fevereiro de 1994
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Os industriais da boçalidade

ROBERTO ROMANO

A França, em 1988, contava seus 55 milhões de habitantes, identificando 180 mil cientistas. Os EUA, com 230 milhões de almas, arregimentavam 750 mil pesquisadores. O Japão dispunha de 350 mil pessoas na pesquisa. O Brasil só tinha 50 mil investigadores –em sentido tênue– para atender os 144 milhões de miseráveis que o habitavam. Estes pontos podem ser verificados no artigo do físico Shigeo Watanabi escrito para a Folha (29/07/88, pág. A-2). Ainda em 1988, adianta outra análise, o Brasil empregou apenas 37,07 dólares "per capita" (no plano federal) em educação básica. O Chile aplicou 62,95, a Venezuela destinou 165,30 para o mesmo fim (relatório do Bird, 1989, citado por Luce, M.B., caderno Cedes, 31). 1988 foi o ano da "Constituição Cidadã".
Gaudêncio Frigotto lembra que, segundo a Unesco, o Brasil empregava, no período acima indicado, 3,7 do PNB em educação. A Etiópia, 4,4 para a mesma área. Os EUA, 6,8 e o Canadá 7,0. No juízo do Bird, o Brasil chega ao ano 2015 com apenas 50% de sua população em idade regular matriculada no segundo grau. Este constitui um atentado violento à dignidade da pessoa humana.
Existem outros indicadores vergonhosos. Os sublimes deputados destinaram, em data recente, 742 milhões, em moeda brasileira, para a Fundação Julio Campos. A Fundação Eva Candido, de Raquel Candido, foi brindada com 742 milhões. A Fundação Juracy Magalhães contou com 742 milhões. A Juracy Magalhães Junior recebeu a indicação de 693 milhões. Bolsas de estudo para os pimpolhos de parlamentares, na Escola Americana de Brasília, sorveram 742 milhões nas contas do relator do Orçamento. Na revista "Veja" encontram-se números estarrecedores sobre esses feitos, não contestados por ninguém.
Hoje, em plano mundial, desaparecem os povos sem técnica avançada e sem conhecimentos científicos. O saber é de fato força de produção econômica. A guerra pela vida exige a conquista de novos mercados, cada vez mais exigentes. Preparar o Brasil para esse conflito é tarefa de salvação pública. Mas os governos só conhecem uma atitude: aumento de impostos, desestímulo às empresas, corte nas verbas para os setores básicos. Impedir a formação de técnicos e pesquisadores significa atentar contra o país. Os vampiros do Orçamento, os partidos que exigem reduções de verbas na educação e na saúde, os "realistas", todos eles, em maior ou menor grau, podem ser acusados de comprometer negativamente o presente e o futuro da produção de riquezas, a única alternativa se não quisermos ser a terra da caridade institucional.
Precisamos de políticas científicas, corrigindo os atuais vícios de apadrinhamento e corporativismo, imperantes nos campi. Sindicatos e funcionários, não raro, transformam em fim das faculdades os seus alvos mesquinhos. As eleições universitárias, em todos os níveis, corroem as fibras dos institutos.
A pesquisa, a docência, os serviços à sociedade passam para o último plano. Só importa, para os que assim maculam o nome da democracia, o comércio dos cargos, das assessorias, das concessões mútuas entre as capelas que infestam os gabinetes. Populistas implodem as salas de aula e os laboratórios em proveito próprio. Unem-se, sem o querer talvez, aos parlamentares e poderosos, na tarefa de gerar boçalidade.
Mas isso não desculpa a criminosa prática dos atuais deputados, senadores, dirigentes de Estados. Em Marília, uma rica cidade paulista, faltou água nas escolas públicas. O líquido foi cortado por falta de pagamento. Existem ameaças de corte na energia elétrica pelo mesmo motivo. Qual é o compromisso das autoridades face à formação de gente qualificada, com tarefas criativas, na indústria brasileira? Nenhum. A demagogia oportunista exaure a "política" educacional dos governos brasileiros.
Nossos políticos produzem ignorância em escala industrial. Eles precisam de um público sem luzes para atingir postos de comando. Tais representantes ajudam a fechar as portas das indústrias, dos campi, da sociedade civil, impedindo-os na marcha para a cultura técnico-científica. Não é possível manter no Estado federativo aqueles embusteiros e misólogos. Para saber o que eles fazem no plano ético e no conhecimento, basta abrir o nariz. Um cheiro fétido espalha-se nos escritórios eleitorais. A boçalidade afasta o decoro, mina todo governo. O namorado de Lílian Ramos, mostrando-se aquém de seu cargo, arruina a eminência de sua magistratura. País sem educação técnica, cívica, científica, é o que vemos: na França, "sans-culotte" indica o radical democrata. No Brasil, ele designa apenas uma vulgar pornocracia.

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