São Paulo, quarta-feira, 23 de fevereiro de 1994
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A maldição das empreiteiras

LUÍS NASSIF

Há uma velha maldição que recai sobre as grandes empreiteiras de obras públicas: dificilmente conseguem resistir a segunda geração de donos.
Pesa, de um lado, a alta mortalidade do negócio, muito dependente dos ventos políticos. Do outro, a facilidade em conquistar dinheiro fácil, com o governo, cria uma segunda geração de herdeiros pouco afeitos à competição e estratégias do mundo real. Esta parece a sina da Construtora Norberto Odebrecht, em que pese o eficiente sistema gerencial implantado por seu patriarca.
Há algum tempo, percebendo as mudanças dos ventos políticos, algumas empreiteiras da ditadura já haviam decidido mudar gradativamente de ramo, como foi o caso da Camargo Corrêa.
Já a Odebrecht –assim como a OAS e a Andrade Gutierrez– conseguiu fincar raízes na democratização, montando uma sofisticadíssima estrutura de corrupção de homens públicos –um formidável feito de logística, ressalve-se.
Num primeiro momento, a estratégia permitiu a empresa acumular uma liquidez fantástica. Só que, na hora de administrar a vitória, o esforço despendido na arte da corrupção política consumiu tanta energia do grupo, que não permitiu cuidar adequadamente das etapas seguintes de diversificação. E aí foi uma sucessão de erros.
Sem financiamento
Suas investidas na área externa só lograram êxito quando financiadas a fundo perdido pelo Finex. A eclosão de escândalos sucessivos com o fundo –culminando com a operação que custou o cargo ao então ministro da Fazenda Eliseu Rezende– fechou-lhes as portas não só a recursos a fundo perdido (o que era um escândalo), como a crédito governamental barato (o que era uma necessidade imperiosa, para competir internacionalmente).
Sem essa retaguarda, provavelmente a empresa teve que arcar com prejuízos para vencer concorrências no mercado norte-americano.
Internamente, com o governo quebrado, os atrasos de pagamentos tornaram-se constantes. Como as empreiteiras sempre conseguiam influir ostensivamente na forma de pagamento dos atrasados –vide o histórico da Eletrobrás, em operações mais antigas intermediadas pelo ex-presidente do BNDES, Marcus Vianna, até operações recentes feitas pela atual diretoria– não tiveram o receio de recorrer a pesado endividamento bancário de curto prazo.
Com a CPI, sua capacidade de influir baixou a zero, restando o endividamento a comer-lhes pela borda.
Ao mesmo tempo, a estratégia de diversificação empresarial não se mostrou bem sucedida. A única afinidade da Odebrecht com o setor químico residia no fato deste estar fortemente dependente de regulamentação oficial –campo de especialidade da empreiteira.
Acabou adquirindo ativos excessivamente caros, em um momento em que o quadro do setor, em nível internacional, era francamente desfavorável.
Estilo heterodoxo
Pior: fiel a seu estilo fundamentalmente heterodoxo (podendo fazer errado, por que fazer certo?) tratou de assumir a administração da Unipar –a maior holding do setor– através de uma polêmica negociação com a pessoa física de seu controlador –o empresário Paulo Geyer.
Informações do setor dão conta que a Odebrecht teria oferecido US$ 5 milhões anuais à pessoa física de Paulo Geyer para que transferisse à ela a administração da holding –num desrespeito aos demais acionistas. O plano teria naufragado quando a verdadeira herdeira das ações –esposa de Geyer– desfez a operação.
Agora, enrolada a frente petroquímica, acumulando prejuízos na área internacional, tendo suas obras sob suspeição em praticamente todo o país, sendo evitada com um temor quase supersticioso por políticos, a Odebrecht –assim como algumas de suas irmãs– tem como último reduto a prefeitura de São Paulo.
Como essa coluna vaticinou há cerca de um ano, a tendência será desaparecer como empreiteira. Espera-se que daqui para frente o grupo consiga transformar sua imensa experiência gerencial, em tratar da corrupção, e sua capacidade de engenharia, em instrumento efetivo e legítimo de geração de riquezas, sem privilégios e sem dinheiro fácil.
Pelo menos haverá uma contrapartida ao país, para compensar o imenso dano que a empreiteira lhe causou, e a democracia, com sua falta de limites.

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