São Paulo, quarta-feira, 23 de fevereiro de 1994
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Agora é chique ser cafona

ERIKA PALOMINO
COLUNISTA DA FOLHA

Desde que a estilista norte-americana Anna Sui colocou Linda Evangelista na passarela com um enorme chapéu de ursinho de pelúcia nos desfiles em setembro último, a palavra cafona ganhou novos horizontes, para além dos limites do kitsch e do "camp". Em Nova York, um dos adjetivos do momento é "tacky", quase algo semelhante ao que aconteceu em São Paulo há uns dois anos, quando "o máximo" era usar a expressão "que bizarro...". E a coisa está longe de parar por aí.
Em Londres, os farejadores de "trends" pressentem mais um ataque dos mangás, os quadrinhos japoneses, que agora ocupam também vídeos e camisetas do mundo underground. Também na Europa, viraram tops os fotógrafos franceses Pierre & Gilles, que não economiza nas cores exageradas e fotomontagens –originais– com astros como Boy George, Marc Almond, Gaultier, Paloma Picasso e Deee-Lite. Agora, depois de anos de trabalho anônimo, "descobriram" que eles são bons mesmo e pululam exposições, livros comemorativos e reportagens elogiosas sobre os dois.
Itens do mais puro mau gosto –ou de gosto duvidoso– conseguem cada vez mais espaço nas coleções. Entra em cena (além do cetim dourado), qualquer peça de cor prateada, desde casacos de couro –em Anna Sui ou no alemão Helmut Lang– até sandálias de salto fino usadas com meia soquete e baby-doll.
Outra volta duvidosa: as cores tipo "neon", em rosa, verde e azul –às vezes de uma só vez. Os lápis de olho (kajal) vêm na pálpebra inferior, não apenas em preto, mas no velho e bom azul.
Em todos os casos, outro elemento fundamental é o bom humor. Em São Paulo, por exemplo, fazem sucesso na noite as camisetas de Anderson Rubbo, 21, com o emblema do anti-herói Chapolim, da telessérie do SBT (a TV "tacky" por excelência).
Mas qual o limite para tanta criatividade fashion e despojamento? Para o estilista Marcos Morcerf, 36, da marca paulistana Fora de Moda, é de mau gosto ou cafona o que se usa "sem assumir": "Desde que seja parte de sua cultura, se a pessoa estiver se expressando através desse tipo de roupa, tudo bem", define.
Mas quem sairia na rua com um chapéu de bichinho como o de Anna Sui, por exemplo? E o medo de passar ridículo, mesmo estando "na última moda"? Para Morcerf, "vai ter sempre gente que quando vê não entende mesmo, que não tem repertório e informação para entender um conceito assim" e pode acabar mesmo dando risada de uma produção moderna. "Mas em moda sempre vale correr o risco", conclui. Mesmo porque, em certos casos, nem dá para saber se a cafonice é intencional ou se é meio sem querer. Como diria o Chaves, outro herói do "tacky", o ideal é "sem quer, querendo".

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