São Paulo, quinta-feira, 24 de fevereiro de 1994
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'Sacrifício'

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Nas palavras, Fernando Henrique Cardoso seguiu com o discurso de sempre. "Ninguém tem que se apressar, não vai haver mexida na poupança, ninguém vai ter o seu salário diminuído." Mas o rosto de FHC quando fez as declarações –logo cedo, reproduzidas depois nos telejornais noturnos– denunciava algo além da monotonia das palavras.
O ministro da Fazenda estava com cara de "apelo", aliás uma expressão usada pelo Jornal Nacional. A pressão geral, diante da evidência de que os salários vão perder outra vez, derrubou o humor de FHC. Uma pressão escancarada pela televisão. Falaram todos contra a perda salarial, do ministro da Previdência aos chefes das duas centrais sindicais.
Foram verdadeiras ameaças. O presidente da CUT, por exemplo, declarou no TJ Brasil que, "verificado algum tipo de perda, todo o movimento sindical vai ganhar as ruas". O ministro do Trabalho, segundo o Jornal da Record, pode até pedir o boné. O ministro da Previdência, no Jornal Bandeirantes, falou abertamente contra uma conversão limitada aos salários, deixando livres os preços.
Como contrapeso, o ministro da Fazenda ganhou algum apoio dos dois principais noticiários de televisão. O Jornal Nacional abriu dizendo que FHC "garante" que os salários não serão prejudicados. Foi a primeira manchete. O TJ Brasil, em comentário resignado do âncora Boris Casoy, avisou que não tem jeito: é inevitável algum "sacrifício".
Mas a pressão, sobretudo interna, acabou fazendo surgir um elemento inesperado no plano econômico. Dos noticiários todos, foi o Jornal Bandeirantes o que deu maior atenção à mudança. Foi até manchete: "Governo vai monitorar os preços." Seria uma resposta, afinal, às pressões e à evidência de que vêm perdas salariais pela frente: os salários perdem, mas os preços também.
Para registrar a revolta, com todas as palavras, daqueles que ainda têm boa vontade, mas não gostam nada da idéia de perder mais dinheiro, com mais um plano contra a inflação, sobrou só o Aqui Agora. Um dos comentaristas do noticiário populista olhou para a câmera e não aguentou: "Senhor ministro, pelo amor de Deus, achatar salário, não." Patético.

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