São Paulo, quinta-feira, 24 de fevereiro de 1994
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Homossexuais atacam 'Filadélfia'

ANA MARIA BAHIANA
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE LOS ANGELES

Em pouco mais de um mês em cartaz nos Estados Unidos, o filme "Filadélfia", de Jonathan Demme ("O Silêncio dos Inocentes"), conseguiu arrecadar mais de U$ 60 milhões de bilheteria, dois Golden Globes, quatro indicações para o Oscar e um bocado de controvérsia. As reclamações, curiosamente, não vêm dos conservadores, mas exatamente da militância e da intelectualidade homossexual, chocadas com o que chamam de "comportamento servil" dos personagens do filme.
Como, até prova em contrário, os personagens de "Filadélfia" são invenções do roteirista Ron Nyswaner –ele próprio homossexual, 38 anos, há 15 amigo de Demme e há oito num relacionamento estável com um companheiro–, ninguém melhor que ele para defender e explicar o controvertido "bom comportamento".
Nyswaner conversou com a Folha em Los Angeles, pouco antes do anúncio das indicações ao Oscar pela Academia, que deu ao seu roteiro uma das quatro indicações de "Filadélfia", que tem estréia no Brasil prevista para o próximo dia 4.
Folha - Por que Demme rejeitou o seu roteiro inicial?
Nyswaner - Porque a história era contada de um ponto de vista inteiramente gay. Eu só me dei conta disso quando Jonathan me disse. Ele precisava de uma história que abrangesse todo o público. Eu não podia contar essa história só para meus amigos. Jonathan estava inteiramente certo –todo bom filme precisa de um herói, e eu não havia criado um herói capaz de empolgar o grande público.
Folha - "Filadélfia" tem sido acusado pela militância homossexual de ser excessivamente comportado...
Nysmaner - O filme pode ser "comportado" para o público mais liberal, mas para quem, como eu, assistiu a várias exibições-teste em subúrbios classe média de Nova York, Nova Jersey e Chicago, o filme é avant-garde! Quando me sentei para ver a primeira dessas exibições, estava morrendo de medo. O que aquelas famílias pensariam vendo Tom Hanks e Antonio Banderas juntos, dançando? Vendo Tom Hanks, um bom rapaz americano, morrendo de Aids? São as coisas que ampliam os limites da tolerância.
Folha - Reclama-se também, exatamente, de quão pouco se vê da intimidade dos personagens de Hanks e Banderas.
Nyswaner - Ah, sim. Todo mundo quer ver mais Antonio Banderas, de preferência pelado. Eu queria ver Antonio Banderas pelado, de preferência na minha casa. Mas o filme não é sobre o caso dos dois. É sobre a luta de um homem contra a discriminação. E, também, que fantasia é essa que as pessoas têm sobre o cotidiano de um casal gay? O que as pessoas acham? Que nossas vidas não são como as de todos –que trabalhamos, chegamos em casa cansados, cozinhamos o jantar? Para dar credibilidade aos personagens, eu tinha que mostrar a vida deles como ela, de fato, é.
Folha - Muitos críticos e militantes também apontam esse ajustamento, essa caretice dos dois como um problema, uma visão excessivamente bem comportada da homossexualidade.
Nyswaner - Bom, eu não sei que vida eles levam. A minha e do meu companheiro é completamente ajustada, chata até. Acho que o ponto básico é um só: existe uma parte da militância que adora o papel de vítima e se recusa a ver o mundo sob outra perspectiva.

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