São Paulo, quinta-feira, 24 de fevereiro de 1994
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Mutirão de parcerias

JOSÉ EDUARDO DE ANDRADE VIEIRA

Diante do cenário de fragmentação de interesses econômicos e políticos, refletido num espelho institucional embaçado e quebradiço, o observador da cena brasileira, seja interno, seja externo, pode ter a impressão de um grande impasse sem saída. Ou seja, o pacto necessário entre os agentes sociais pode ser uma impossibilidade prática em nosso país.
De fato, a ausência de interlocutores válidos e legítimos e a abundância de divergências entre os agentes da produção e da decisão política têm adiado, indefinidamente, a versão brasileira de um Pacto de Moncloa e retardado, por isso mesmo, a solução dos problemas conjunturais de uma crise que parece sem fim.
O adiamento indefinido de tal solução, por sua vez, agrava mais ainda as distorções estruturais, o que mantém o Brasil numa posição incômoda, mesmo quando comparada à de outros países da América do Sul que já conseguiram sair dessa paralisia, como Chile, Argentina e Bolívia, ou que dão sinais positivos nesse rumo, como o Peru.
Perseguir um pacto completo, para desatar de uma vez todos os nós institucionais que servem de obstáculo à saída do Brasil desse impasse, é, por isso mesmo, contribuir para sua permanência, devido à inviabilidade prática de se chegar a tal objetivo. No entanto, é possível encontrar soluções isoladas para problemas específicos, com a assinatura de pactos setoriais que, somados, poderão levar à superação da crise e a uma melhor sintonia entre o Brasil de hoje e o mundo contemporâneo, regido pela competição aberta entre os mercados, desde a queda do Muro de Berlim, a dissolução do império soviético e a regionalização do comércio internacional.
A grande diferença entre a tentativa de chegar ao Pacto de Moncloa à brasileira e a busca de pactos setoriais é que, no primeiro caso, a nação fica a esperar uma intervenção providencial da sorte, como se estivesse disputando uma loteria. Enquanto isso, a segunda hipótese exige trabalho duro, permanente, paciente e competente na complicada costura dos tecidos sociais, econômicos e políticos, esgarçados pela inflação e pela crise por ela gerada.
Quanto à viabilidade prática dessa negociação, não há mais o que se discutir, depois do êxito alcançado em, pelo menos, dois exemplos que posso recolher de minha experiência prática nos 14 meses nos quais comandei o Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo.
O primeiro foi o acordo da câmara setorial da indústria automotiva, cujos efeitos benéficos no crescimento da economia alcançado em 1993 são públicos e notórios. O segundo, a criação da Associação dos Países Produtores de Café, a APPC, e a adoção de seu plano de retenção, que, em conjunto, atingiram o alvo, até então considerado impossível, de elevar e manter no alto as cotações do café no mercado internacional pela primeira vez em cinco anos.
A partir do êxito dessas duas iniciativas, considero-me autorizado a propor um grande mutirão nacional, com a realização de pequenos pactos setoriais, trabalhados no dia-a-dia, com paciência e determinação. Estou convicto de que vai ser necessário o esforço de todos os segmentos econômicos e de todas as facções políticas para conseguir arrastar o Brasil para fora do atoleiro da crise atual. Seja qual for o resultado da eleição presidencial, no fim do ano, esse esforço vai ter de ser feito, sob pena de o país continuar patinando no imobilismo da crise.
Tal mutirão não pode ter um significado excludente, deixando qualquer setor político de fora das negociações. O PT, tido por muitos grupos políticos como o bicho-papão da eleição, por exemplo, tem de ser convocado a participar.
A quem julga impossível a parceria (a palavra é esta) com o partido de Lula há, pelo menos, um fato histórico capaz de convencer do contrário, mostrando a competência e o discernimento dos petistas na negociação dos pactos setoriais. O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Vicente Paulo da Silva, foi um dos mais esforçados e eficientes parceiros na negociação bem-sucedida do Pacto de Brasília, ou seja, o acordo da Câmara Setorial da Indústria Automotiva, há um ano.
Em vez de procurar um candidato antiLula, o que, em última análise, termina por fortalecer a candidatura que querem derrotar, os adversários do candidato do PT farão melhor se tomarem consciência de que a solução para os problemas do Brasil não virá pela via dos milagres, passes de mágica ou lances de dados. Até porque o acaso tem sido, também e infelizmente, um combustível da crise que consome o país.
A porta de saída é o gerenciamento adequado dos problemas no dia-a-dia, com a participação de todas as forças políticas, na busca de soluções determinadas para problemas específicos, ou seja, a convocação geral de um grande mutirão de parcerias.

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