São Paulo, sexta-feira, 25 de fevereiro de 1994
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Sai coletânea de punk rock nacional

MARCEL PLASSE
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O hardcore brasileiro está em relativa alta. Mesmo longe da MTV, apresentando-se em lugares podres e alheio à cobertura da imprensa, o estilo vem crescendo. Em dois anos, passou a ser a tendência dominante nos shows do circuito off-off de São Paulo.
João Gordo, do pioneiro grupo Ratos de Porão, atento à tendência, resolveu ser padrinho da cena. "Estava cansado de ver as bandas sem perspectiva de gravação", ele diz. O selo Devil bancou o gosto do vocalista e o resultado, "Fun, Milk and Destroy", é a coletânea que faltava.
As bandas Muzzarelas, No Violence, Intense Manner of Living, Kangaroos in Tilt e Lethal Charge rolam direto nas quebradas mais fuleiras da cidade. Elas já entraram até em trilha de vídeos de skate das grifes Vision e Dirty Money. Mas não animavam os selos a investir em gravações.
Skater sabe que hardcore é música de ralar joelho no asfalto: é velocidade, destruição e adrenalina. Como o skate está cada vez mais influenciando moda e comportamento, a coletânea "Fun, Milk and Destroy" pode ser um marco para o gênero, que não sumiu nos anos 80 graças aos discos e shows do grupo Ratos de Porão.
Lição de casa: hardcore não é tudo igual. As bandas da coletânea seguem linhas opostas dentro do estilo. Muzzarelas, de Campinas, representa o espírito mais festivo do punk rock, na linha dos Ramones. Lethal Charge, também de Campinas, lembra inclusive no nome o grupo Discharge, da segunda geração do punk britânico. Kangaroos in Tilt é superviolenta e rápida, ao estilo do Corrosion of Conformity. E as paulistanas No Violence e Intense Manner of Living tiram um som "positivo", com integrantes chegados à linha straight edge, bem politicamente correta.
O convite para participar da coletânea mudou a vida do grupo Muzzarelas, que até a metade do ano passado não tinha tocado na capital. A anarquia dos shows da banda, que inclui um cover hilário de "Macho Man", do Village People, costuma enlouquecer o público. Neguinho tira a roupa pra pular do palco. As letras em inglês são só baixaria. Títulos traduzidos: "Maldita Diarréia" e "Às Vezes Eu Choro Quando Vejo TV".
O nome Kangaroos in Tilt saiu da performance da banda. Os caras não páram de pular no palco. O vocalista Kichi, roadie dos Ratos de Porão, inventa um inglês do além, numa velocidade que vai ainda mais além, para vomitar esboços musicais. A música mais longa da coletânea, um épico para os padrões dos Kangaroos, tem um minuto e 14 segundos.
Intense Manner of Living inova o hardcore jogando percussão brasileira no barulho. A banda abre a coletânea com o som de um berimbau –a música "Acceptance & Respect" (aceitação e respeito) é um manifesto contra o preconceito sofrido pelos migrantes nordestinos. O vocalista Paulo chama a mistura de "intersecção cultural". O estilo lembra o som de Os Raimundos, mas IML não enfatiza o forró como o grupo de Brasília. Seu hardcore mistura reggae, ska e batucada, com vocal em inglês.
A veterana No Violence (cinco anos), como IML, tem discurso politizado. O vocalista Ruy, que se assume straight edge (não bebe, não fuma, não se droga e ainda por cima é vegetariano), define a música da banda como "hardcore político, positivo, energético e bem-intencionado". Ele quer mudar o mundo. Além de brigar na música, cursa faculdade de Direito. "Conhecer os direitos e as garantias da lei também é uma forma de lutar para um mundo melhor", ele diz. A banda tem um compacto com oito músicas saindo nos EUA, "Social Justice", pelo selo Sound Polution Records.
Lethal Charge é a mais convencional do pacote. Em alguns momentos, lembra heavy metal. O curioso é que a maioria das bandas da coletânea tem passado metálico.

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