São Paulo, sábado, 26 de fevereiro de 1994 |
 |
|
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Cartilha preparada pelo governo deixa dúvidas
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA A cartilha que o governo irá distribuir para explicar o que é a URV (Unidade Real de Valor) não cumpre o que deveria ser o seu principal objetivo: esclarecer. O leitor continuará sem saber como ficam os aluguéis, as mensalidades escolares, os preços na feira e no supermercado, enfim, como o indexador irá afetar seu cotidiano.Escrita em linguagem acessível, com quatro páginas (frente e verso), a cartilha é um panfleto de defesa do plano econômico. Foram preparados 8 milhões de exemplares que serão distribuídos gratuitamente nas agências dos bancos federais e dos Correios. A cartilha foi elaborada pela Secretaria de Comunicação Institucional do Palácio do Planalto em conjunto com o Ministério da Fazenda. Confira a seguir o texto: URVNão é à toa que este remédio sechama Unidade Real de ValorNo duro, no duro, a URV não é nenhuma novidade. Os plantadores de soja fazem conta assim: "Tal coisa me custa tantos sacos de soja". Os criadores de gado também fazem assim: "Tal coisa me custa tantos bois". Os ricos e remediados também fazem assim: "Tal coisa me custa tantos dólares". E você, como faz, se você não tem sacos de sojas, nem bois, nem dólares? Pois o que o governo está querendo fazer é que tanto o plantador de soja, o fazendeiro de gado, o grã-fino e você tenham uma só referência de valor do dinheiro que todos ganham - a Unidade Real de Valor - que é o primeiro passo para nós todos termo s uma moeda de verdade, uma moeda real! O Brasil está mudandoO Brasil está caindo na real, acredite.Toda vez que o governo quis dar um jeito nas coisas, não deu certo porque o remédio era forte demais e prometia sempre um milagre: acabar com a inflação com um só tiro, como se isso fosse possível. Agora, é diferente. O governo sabe que inflação não se acaba do dia para a noite e está encontrando, finalmente, um jeito de matar a inflação aos poucos. Mas com segurança, porque a inflação é como gato, que tem sete vidas. Você e o Brasil vãocair na real!A primeira coisa que você precisa entender é que a URV não é uma nova moeda. Na verdade, é um meio que o governo encontrou para o Brasil poder ter, finalmente, uma moeda real, tão forte quanto a libra, o dólar e o marco alemão. Então, entenda: a URV é o primeiro passo para o Brasil ter o que o País e você precisam: uma moeda real, que defenda uma real capacidade de compra. E da qual você se orgulhe, assim como se orgulha de sua casa, de seu time, de sua bandeira e de sua pátria. Trocado em miúdos, a URV é um meio, não um fim. É um remédio para preparar uma economia doente para uma cirurgia final. Então a gente pode dizer que, se a URV fosse uma moeda (que não é) seria uma espécie de moeda para fazer contas e que vai, logo-logo, criar uma moeda para substituir o nosso cruzeiro, que virou moeda-de-faz-de-conta. Vamos devagar queestamos com pressa!Remédio forte, aplicado na marra e em doses cavalares, nem sempre cura. Ao contrário, pode agravar o mal e até matar, pela cura. E se não mata, aleija. Você se lembra muito bem do que já foi feito e não deu certo. Era um mundo de drogas misteriosas, como tablitas, confiscos, pacotes e choques; uma porção de medidas que, por mais que se explicasse, você não entendia. Na verdade, você só entendia uma coisa: cada dia o seu dinheirinho valia menos para comprar as coisas que você precisava. É mais ou menos isto o que os economistas chamam de equilíbrio orçamentário, que tanto vale para administrar a sua casa como para administrar o Brasil. Entenda isso muito bem: só a união faz a força! E sem união, não há força que dê cabo da inflação! Então, vamos resulver juntos esta parada? O governo está agora fazendo a sua parte. Está gastando só o que pode. Está acabando com sonegação. Está arrumando a casa, como qualquer dona de casa faz. O mais importante que o governo está fazendo é enfrentar, de frente, a realidade, por mais dura e difícil que ela seja. E enfrentando a descrença de muitos e a ação dos que estão torcendo para que nada dê certo. Mas o que conta, no duro mesmo, é que o governo quer acabar com o imposto mais injusto e mais perverso que você (e todo mundo) está pagando, e que é a inflação. A primeira coisa que você precisasaber é o que o seu dinheirorealmente vale! Este é o primeiro benefício que a URV lhe oferece: você vai saber quanto o seu dinheiro está valendo no dia que recebe o salário, no dia que faz as compras do mês, que paga o aluguel ou o colégio das crianças. Os pessimistas (e os inimigos do programa) vão logo dizendo que com isso a inflação vai disparar, que os preços vão pular lá pra cima, como se isso não estivesse acontecendo agora, não estivesse acontecendo todo santo dia! A vantagem deste plano é que ele trabalha com a realidade. Trabalha, acima de tudo, com a verdade. Por isso mesmo é que você precisa entender o que o governo quer fazer com esta história nova de URV. Você precisa entender o que éa URV e para que ela servePrimeiro, não é um remédio que você tem que tomar, queira ou não queira. É um processo que só funciona se você entender, aderir e defender. Em outras palavras, é um remédio que só funciona se você "comprar", isto é, se você acreditar nele, usar nas dosagens certas e não esperar por milagres. No duro, no duro é um remédio que cura aos poucos, mas com segurança e sem promessa de milagre algum. Segundo, a URV vai preparar o terreno para você ter uma nova moeda. Uma nova moeda que garanta o valor real de compra. Isso a gente vai explicar depois, quando esta moeda entrar em circulação. Aí sim, – o governo vai conseguir o equilíbrio orçamentário do País e você, o tão sonhado equilíbrio do seu orçamento doméstico. E uma moeda tão respeitada quanto o Brasil merece. Para quem não promete milagres, você acha isso pouco? Texto Anterior: Servidores marcam greve Próximo Texto: No exterior, URV provoca apreensão Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |