São Paulo, sábado, 26 de fevereiro de 1994
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Tropicalismo de Gilberto Gil chega ao CD

CARLOS CALADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Demorou, mas aconteceu. A fase tropicalista de Gilberto Gil e seus primeiros desdobramentos musicais retornam às lojas, finalmente em CD. Para muitos fãs mais jovens será a chance de ouvir pela primeira vez alguns dos irreverentes e criativos elos perdidos de "Tropicália 2", a mais recente parceria de Gil e Caetano Veloso.
Os sete CDs da série Colecionador cobrem o período 1967-1975 –não esquecer que o álbum "Barra 69" (gravado em parceria com Caetano) e os coletivos "Tropicália ou Panis et Circensis" (de 1968) e "Temporada de Verão" (1974) já foram reeditados junto com a obra integral de Caetano.
"Louvação" (de 1967), o álbum de estréia de Gil, flagra com nitidez as primeiras influências musicais do baiano de Ituaçu, que se radicou em São Paulo, em 1965, para ser executivo da Gessy-Lever. Ali estão claramente delineados: o violão bossa-nova de João Gilberto, na vibrante "Ensaio Geral"; a poesia de Dorival Caymmi, na delicada "Beira-Mar" (parceria com Caetano); o baião de Luiz Gonzaga, na sinuosa "Procissão". Sem esquecer de "Lunik 9", que mistura marcha com samba e prefigura o tropicalismo em temática futurista.
Humor e Beatles
O fardão que Gil veste na capa do álbum "Gilberto Gil" (1968) remete com humor a "Sgt. Pepper's", dos Beatles. Não foi por outra razão que o baiano procurou o maestro Rogério Duprat: precisava de um George Martin para incrementar sua música. Lançada no histórico festival de MPB da TV Record, ainda em 67, a cinematográfica "Domingo no Parque" é o hit do disco. Inaugurou oficialmente com "Alegria Alegria" (de Caetano), o Tropicalismo –aliás, foi a primeira a enfrentar com uma guitarra elétrica as vaias dos mais conservadores.
A alegria juvenil dos Mutantes ajuda a transformar o disco numa festa, principalmente na embolada-curtição "Pega a Voga Cabeludo". Além do lirismo vanguardista de "Luzia Luluza", chama atenção a contemporaneidade do baião "Marginália 2" (parceria com Torquato Neto): "aqui é o fim do mundo", repete o refrão, antecipando canções como "Haiti" e o "O Cu do Mundo".
A estridência das guitarras é maior ainda em "Gilberto Gil" (de 1969), o álbum mais radical dos sete. Gravado na véspera da partida de Gil e Caetano para o exílio em Londres, o hit "Aquele Abraço" soa como seu momento mais leve, apesar da fina ironia.
O experimentalismo é total na faixa "Objeto Semi-Identificado" (parceria com Rogério Duarte e Duprat), colagem concreta que funde poemas recitados, depoimentos desconexos, ruídos e fragmentos instrumentais. Na época, muitos fãs chegaram a ouvir em rotação lenta seus trechos mais caóticos, tentando captar um drible na então poderosa censura.
Melancolia
Gravado em Londres, "Gilberto Gil" (de 71) reflete o contato direto e mais cotidiano de Gil com o rock e o jazz. A alegria de "Crazy Pop Rock" (em parceria com Jorge Mautner) é quase exceção, temperando a melancolia de canções como "Can't Find My Home" (de Steve Winwood) e "Mama". Só três reveladoras palavras quebram as letras em inglês: "nega" e "tão triste".
Já no Brasil, depois do exuberante "Expresso 2222" (leia texto abaixo), Gil demora dois anos para gravar "Ao Vivo" (1974), no Tuca, em São Paulo. Nele, é evidente a intenção de enterrar de vez a imagem de tropicalista. Com suas faixas longas e recheadas de improvisos vocais e instrumentais, antecipa o álbum que Gil gravou no ano seguinte com Jorge Ben (leia texto à esquerda).
"o tropicalismo é o descaminho", dizia Gil naquela época, numa de suas várias definições do movimento. Mais tarde, ao gravar "Refazenda" e "Refavela" (que, segundo a Polygram, não foram relançados agora por não pertencerem mais a seu catálogo), Gil finalmente trocou o descaminho por um novo caminho.

Série: Colecionador
Artista: Gilberto Gil
Formato: sete CDs
Preço: CR$ 6.000 (em média)

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