São Paulo, sábado, 26 de fevereiro de 1994
Próximo Texto | Índice

A inflação cai, mas o problema vem depois

MAILSON DA NÓBREGA

A URV é uma tentativa de estabelecer uma referência estável de valor mediante a disseminação de um indexador único para o reajuste de preços. Em seguida, transforma-se a URV em nova moeda e se mantém fixa a sua paridade com o dólar norte-americano (ou uma cesta de moedas). A inflação continua acelerando-se durante a disseminação e despenca depois da criação da moeda.
Busca-se, assim, reproduzir a situação prevalecente no final das hiperinflações sem passar pelos seus horrores. Nestes casos, uma moeda estrangeira boa expulsou a moeda nacional destruída e se transformou em reserva de valor, unidade de conta e meio de troca. Quando o governo adquiriu condições de fixar a taxa de câmbio, a inflação acabou.
A URV é, assim, uma preparação para a estabilização da economia. Portanto, sua implementação e posterior transformação em moeda vai baixar a inflação. O problema, entretanto, não é reduzir a inflação. É trazê-la depois para um nível realmente muito baixo (um dígito anual, por exemplo) e evitar que ela volte. Isso é muito mais difícil.
Não se pode exigir esse feito de uma equipe econômica que, embora capaz, opera num ambiente adverso: crise fiscal, inflação elevada, governo em fim de mandato e sem base parlamentar estável, eleições à porta.
Será impossível reproduzir o final das hiperinflações. Nestas, o indexador (geralmente o dólar norte-americano) era também moeda corrente. Aqui, o indexador, uma abstração, é uma coisa; a moeda, o cruzeiro real, é outra. O grosso da população raciocina nessa moeda e não em dólar; vai andar com cruzeiros reais no bolso e não com URVs. Bens e serviços de pequeno valor continuarão expressos em cruzeiros: leite, pão, feijão, alface, sanduíche, tênis, passagem de ônibus etc. Você já imaginou o povo acostumando-se em dois ou três meses a comprar o pãozinho por 0,05 URV com o seu preço em cruzeiros reais variando todos os dias?
No dia da criação da nova moeda não terá havido nem a indexação generalizada pela URV nem a variação diária de todos os preços. Os preços relativos vão buscar nova estrutura. A variação dos preços cairá, mas ficará uma inflação residual, cuja extinção exigirá a disponibilidade de instrumentos de política econômica e as condições para aplicá-las, se necessário produzindo uma recessão. O Fundo Social de Emergência não basta para tanto.
Mesmo assim, o plano merece apoio. Não há alternativa melhor neste momento diante das atuais condições institucionais e políticas. Dificilmente será um êxito de estabilização, mas pode baixar a inflação e produzir uma transição muito melhor do que a de 1989. Conta pelo menos com condições bem melhores.

Próximo Texto: Sem o envolvimento da sociedade, o plano fracassa
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.