São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Reformas levam ópio de volta à China

LUCÍA SILES
DO "EL PAÍS", EM PEQUIM

A abertura e a reforma econômica na China mudam a aparência de suas cidades e os fumantes de ópio começam a reaparecer em algumas partes do país. Quarenta anos depois da Revolução Comunista, os jovens chineses, em busca de estímulo e atrativo, começam a fumar ópio outra vez.
Embora o problema não tenha a mesma dimensão que na Europa ou nos Estados Unidos e tampouco se compare ao que representava na China dos anos 40 –quando cerca de 20 milhões de pessoas eram fumantes habituais de ópio–, as cifras começam a preocupar.
Não há dados oficiais disponíveis, mas o número de viciados parece estar aumentando rapidamente em algumas regiões do país, especialmente na Província de Yunnan, ao norte do "triângulo de ouro", formado pela Tailândia, Myanma e Laos, que produz dois terços do ópio consumido no mundo. Algumas regiões do noroeste da China também se tornaram foco de produção e consumo.
O ressurgimento dos narcóticos tem uma conotação muito particular na China, onde o ópio se relaciona com a humilhação e a decadência sofrida entre o início do século 19 e a Revolução Comunista (1949). O ópio chegou à China no século 18 pela mão dos ingleses. Quando a China tentou proibir o consumo, os britânicos provocaram as "guerras do ópio" para forçar a abertura dos portos.
Depois da Revolução de 1949 os comunistas fizeram campanhas para erradicar o uso de drogas. O compromisso com a reconstrução do país, aliado à euforia e ao otimismo do momento, contribuíram para a erradicação da dependência de drogas, além de outros problemas sociais como a prostituição e o jogo. Hoje, porém, a juventude chinesa adota uma atitude muito diferente. Muitos dizem que são a apatia e a falta de ideais, sem falar na simples curiosidade, que levam os jovens às drogas.
O problema está se agravando no centro turístico de Xian. A poucos quilômetros de distância da descoberta arqueológica mais importante das últimas décadas, pequenos apartamentos em vielas escuras se transformaram nos modernos "antros de ópio". Ali, um grama de ópio custa cem yuans, quase um terço do salário médio de um operário. A delinquência aumentou dramaticamente e a cada ano cresce o número de turistas que são vítimas de roubos. Xian, a antiga porta da rota da seda, transformou-se no foco do problema da dependência de drogas.
Só em Xian funcionam 12 centros de reabilitação de drogados, mais do que em qualquer outra cidade chinesa. O ópio vem da Província vizinha de Gansu e chega a Xian seguindo o caminho milenar da seda. Também aumenta seu consumo em Yunnan, ao norte da fronteira com Myanma. Kunming, sua capital, ganha de Xian em número de viciados. A imprensa chinesa, que mostra prudência ao difundir notícias relativas ao assunto, começou a noticiar as cada vez mais frequentes mortes por overdose ocorridas em Yunnan, onde 70% da criminalidade está relacionada às drogas.
Num documentário produzido recentemente pela polícia local para ser difundido em escolas e fábricas, aparecem imagens rodadas em "antros" clandestinos e centros de reabilitação de drogados. Entre as patéticas imagens aparecem cenas de crianças, adolescentes e prostitutas. "Já tentei largar sete ou oito vezes, mas não consigo", afirma uma jovem num dos centros de reabilitação.
Os viciados são sobretudo jovens empresários independentes, taxistas e prostitutas. Hoje já não se usam mais os cachimbos de água, comuns na velha China, assistidos por jovens, e as instalações dos "antros" não são suntuosas. Os métodos são rudimentares, os "antros" exalam sujeira e marginalidade, mas o efeito suave e adormecedor da droga é o mesmo.
Os centros de reabilitação não estão abertos a visitantes e exige-se dos pacientes que passem um mínimo de 15 dias neles. Poucos optam por submeter-se ao tratamento, apesar de as autoridades garantirem que não vão castigar quem admitir que usa drogas.
Inevitavelmente, o retorno das drogas foi acompanhado pela presença da Aids. Oficialmente existem 1.200 portadores do vírus na China, mas a Organização Mundial da Saúde fala em cifras bem maiores.
A obsessão em enriquecer rapidamente levou alguns camponeses a desafiarem as leis rígidas e envolverem-se no tráfico de drogas. Sob a influência das lembranças amargas do passado, o governo chinês se propôs a cortar o mal pela raiz. As penas impostas são severas. Qualquer pessoa encontrada em posse de mais de um quilo de heroína pode ser condenada à morte. Mais de 3.000 pessoas foram detidas no ano passado por tráfico de drogas, e várias centenas delas executadas publicamente, depois de conduzidas pelas ruas para serem vistas por todos. Suas fotos continuam expostas nas calçadas das grandes cidades.

Tradução de Clara Allain

Texto Anterior: EUA podem revigorar economia mundial
Próximo Texto: Myanma produz 60% da droga no mundo
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.