São Paulo, segunda-feira, 28 de fevereiro de 1994
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Livro reúne textos inéditos do cronista Antônio Maria

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

"Morrer é não precisar mais de ninguém", diz Antonio Maria (1921-1964) num texto, mas estava errado. Desde sua morte, há 30 anos, Maria tem precisado de alguma ajuda para não se perder na memória curta das novas gerações. E olhe que ele foi jornalista, compositor, cronista e produtor de TV, além de lendário boêmio e frasista da noite carioca. Para lembrar Maria, a editora Paz & Terra lança no final de março ou início de abril um livro de crônicas inéditas suas, das quais a Folha publica duas com exclusividade.
"Ninguém me ama/ ninguém me quer/ ninguém me chama/ de meu amor." Quantos jovens de hoje sabem que esses versos da canção popular foram escritos por Maria? "Ninguém me ama/ ninguém me quer/ ninguém me chama/ de Baudelaire." E quantos sabem que também essa paródia foi criada por Maria? E a frase "Brasileiro, profissão esperança": quem sabe que Bibi Ferreira dirigiu uma peça com esse nome baseada em crônicas de Maria?
Por sinal, essas crônicas utilizadas por Bibi Ferreira compõem o livro "O Jornal de Antônio Maria", reunião feita por Ivan Lessa que teve duas edições, a segunda publicada em 1980 também pela Paz & Terra. No livro a sair em breve (sem título definido ainda), elas serão republicadas junto às inéditas, que estão sendo colhidas pela jornalista Alexandra Bertola.
As duas crônicas que a Folha estampa são boa amostra do talento de cronista de Maria, que, para alguns, até seria o único a rivalizar com o de Rubem Braga –para com quem Maria tinha não poucas dívidas. O coloquialismo ligeiro, a mescla de humor e lirismo, a auto-referência debochada, esses são sinais da influência do "sabiá" sobre Maria. Que juntou à receita uma boa dose de veneno peculiar e se tornou também um mestre.
Entre as crônicas inéditas em livro, está a última de Maria, "Uma Velhinha", publicada em 16 de outubro de 1964, um dia depois de ele ter ido "estudar a geologia dos campos santos", como dizia Machado de Assis. É um exemplo de linguagem simples e eficiente, talvez não tanto quanto a de Braga, mas não é exagero dizer que ambos fundaram o português moderno brasileiro; a seu lado, apenas Graciliano Ramos. Um português sem artifício, como até hoje o cinema e o teatro brasileiro não souberam fazer, e um português sem a pobreza do da televisão. Fosse só isso e Braga e Maria já mereceriam ser estudados pelos sérios da academia, que insistem em ignorá-los. E que não sabem da graça da velhinha do Westfália.

LEIA MAIS sobre Antonio Maria à pág. 5-4.

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