São Paulo, quinta-feira, 3 de março de 1994
Texto Anterior | Índice

Por que podemos ter os 5 no ataque (4)

MATINAS SUZUKI JR.
EDITOR-EXECUTIVO

Meus amigos, meus inimigos, responderei ao argumento do mestre Alberto Helena com uma parábola. Ele disse aqui, ontem, que a polêmica sobre os cinco atacantes desvia a atenção do verdadeiro problema da seleção: o meio-campo.
Havia um país que acreditava que sua população só seria bem nutrida se comesse feijão. Pois bem, chegou um ano em que a safra deste alimento quebrou e passou a faltar feijão. Em compensação, a safra do arroz foi excelente. Alguém começou a divulgar as virtudes nutritivas do cereal e a incentivar as pessoas a comerem arroz, na falta do feijão.
As autoridades locais passaram a censurar a propaganda do arroz sob o argumento de que ele estava desviando a atenção das pessoas para o verdadeiro problema daquele reino: a falta de feijão. Moral da história: embora estivesse sobrando arroz, as pessoas morriam de fome porque acreditavam que só o feijão era capaz de engordar e fazer crescer.
Bem, estamos fracos do feijão dos meio-campistas e pródigos no arroz dos atacantes. Em vez de propor o arroz para alimentar nossos corações com a volta da alegria ao reino da seleção, o que se propõe é... apenas lamentar a ausência do feijão (e do sonho, eu acrescentaria).
O mais inesperado, mais lúcido e o mais feliz exemplo de como precisamos mudar a ideologia estabelecida no futebol brasileiro veio através da coluna "Cortada", escrita por Cida Santos e publicada neste caderno, às segundas. Cida, que acompanha de perto a trajetória do vôlei brasileiro, diz que o segredo da medalha de ouro na Olímpiada, foi justamente o da ousadia de inovar taticamente.
O técnico José Roberto Guimarães fez o que nenhum outro técnico anterior teve coragem. Ele, audaciosamente, escalou cinco - isto mesmo, magnética, cinco, o nosso número mágico - atacantes: Tande, Carlão, Giovane, Marcelo Negrão e Paulão. O técnico Bebeto deixava Giovane no banco. Já Josenildo Carvalho tirava Carlão do sexteto titular. Zé Roberto, segundo as palavras de Cida, "sabia que se fosse seguir as linhas do vôlei tradicional, com dois jogadores de meio-de-rede, dois atacantes especialistas de ponta e um atacante na diagonal do levantador, um desses ótimos atacantes ficaria no banco".
Qual foi a saída? Criar um esquema tático original, próprio (como o escrete canarinho de 70, lembram-se?), que levava em consideração a vocação natural do riquíssimo material humano que dispunha.
Em suma, se você tem cinco príncipes, para os diabos com os príncipios. Repito mais uma vez as alentadoras palavras da Cida: "O técnico conseguiu colocar os cinco craques no time titular, formou uma verdadeira artilharia com jogadas de ataque de todas as posições da quadra e inovou taticamente o vôlei. Mais: foi o campeão olímpico".
Mais digo eu, Cida: entrou na história, deu alegria a este país em um momento politicamente trágico e estimulou o imaginário de milhares e milhares de teens que procuravam algum motivo para ter alguma idéia afirmativa do Brasil - sem contar que ampliou o espaço e o mercado para o vôlei no Brasil.
Aliás, se o espírito corajoso e inovador do Zé Roberto tivesse baixado um pouquinho no Wanderley Luxemburgo, no domingo, ele teria entrado jogando com Edmundo, Edílson, Evair, Rincón e Zinho. E o resultado do jogo, certamente, seria outro. Não é só o menosprezo pelos adversários que pode levar à derrota. O excesso de medo também. Se o vôlei venceu com os seus cinco atacantes de ouro, por que não adotar a geração dourada dos atacantes no futebol? Para não ter medo de ninguém, Edmundo, Bebeto, Romário, Dener e Muller.

Texto Anterior: Fifa libera uso do replay por telões na Copa de 94
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.