São Paulo, quinta-feira, 3 de março de 1994
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Na raiz do problema

TASSO JEREISSATI

Toda vez que se discute uma política salarial que implique o aumento real do valor do salário mínimo aparecem cálculos e gráficos dando um argumento definitivo que barra todas as iniciativas: "Isso quebraria a Previdência Social". Não será esta a hora de, no âmbito da revisão constitucional, rediscutir o modelo previdenciário brasileiro, buscando novas formas de financiamento da Previdência, preservando os aposentados?
O plano econômico recentemente lançado pelo ministro Fernando Henrique Cardoso teve a virtude de revelar claramente o valor real do salário mínimo brasileiro. A conversão em URV retira um véu que impedia uma discussão mais profunda e consequente entre capital e trabalho.
Durante anos, a cada dissídio, os trabalhadores negociavam uma recomposição nominal dos salários que era rapidamente corroída pela inflação. Havia apenas uma fugaz sensação de ganho. Agora, a correção dos salários é feita diariamente em URV –os salários são pagos em moeda forte enquanto os preços permanecem em moeda velha. É a oportunidade para que os trabalhadores discutam ganhos reais e não nominais.
Não é demais lembrar que a conversão dos salários prevista no programa econômico não tem a pretensão de intervir na política de distribuição de renda na economia brasileira. Esta é uma outra etapa. Os ganhos reais que eventualmente vierem a ocorrer serão resultado da livre negociação entre patrões e empregados.
A conversão pura e simples do salário mínimo proposta pelo programa recém-anunciado não significa que o governo esteja indiferente à péssima distribuição de renda no país. O caso mais dramático é, sem dúvida, a fixação do salário mínimo em menos de US$ 65.
A indignação que se vê agora com o valor do salário mínimo é de todos. Este não é um valor desejado nem inventado. É uma elementar conta matemática de conversão do salário atual em URV. Durante anos ficamos escondidos num jogo de faz-de-conta, fingindo viver em um país que pagava cerca de US$ 100 de salário mínimo –valor nunca recebido por trabalhador nem aposentado.
Desde a Constituição de 1988, qualquer tentativa de elevação em termos reais do mínimo esbarra no desequilíbrio financeiro da Previdência Social. Segundo estimativas do próprio Ministério, cada dólar a mais no salário mínimo tem um impacto de US$ 150 milhões nos seus gastos.
De nada adianta apenas a indignação sem uma ação efetiva para corrigir as raízes do problema. Também não é o caso de irresponsavelmente aumentar o valor do mínimo sem olhar para as suas repercussões na Previdência. Destruiria todo esforço feito até agora para equilibrar as contas públicas.
Diante disso, nos parece inadiável que o Congresso revisor se dedique ao capítulo da Previdência Social para corrigir distorções e equívocos, para que a Previdência deixe de ser apresentada como empecilho ao aumento real do salário mínimo –que nos dá o vergonhoso troféu de pagar um dos salários mais baixos do mundo.
A reforma da Previdência seria também o ponto de partida para a discussão do sistema tributário, já, que os impostos de maior questionamento são exatamente os que financiam a seguridade social. O salário mínimo é vergonhoso! Mas precisamos desatrelá-lo da Previdência sem prejudicar os aposentados.

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