São Paulo, sexta-feira, 4 de março de 1994
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Razões políticas

SÍLVIO LANCELLOTTI

Confirmou-se, na quarta-feira, oficialmente, uma informação que esta coluna vem avalizando desde dezembro. Através do seu porta-voz, Mike Furler, a Uefa divulgou um comunicado do seu presidente, o sueco Lennart Johansson, desmentindo que a entidade esteja apoiando a recandidatura de Jean Havelange à Fifa. Inesperadamente, embora de maneira indireta, a Uefa acusou Havelange e seu secretário-geral, Joseph Blatter, de utilizarem a imprensa como veículo de briga particular pelo poder. Mais, como se fosse a inocente de plantão, a Uefa ousou conferir ao seu documento uma coroa de rara dignidade: "Não queremos que o futebol sofra por razões políticas".
Disponho de mínimas razões para defender Havelange desde a humilhação por ele imposta a Pelé no sorteio da Copa. Mas me recuso, todavia, a apostar na virgindade da Uefa. Óbvias razões políticas levaram Johansson a derrubar da entidade, dois anos atrás, o francês Jacques Georges, aliado de Havelange. Razões políticas levaram a Uefa a ameaçar romper com a Fifa, três semanas atrás, caso Havelange insista da sua reeleição ou entregue o poder a Blatter, ironizado na confederação da Europa como "Blablablatter", apelido que dispensa explicação.
O peso da idade, o gosto pelo autoritarismo e pelos excessos de solenidade taparam os olhos de Havelange, que não percebeu a cizânia ao seu redor e ainda, pessimamente assessorado, desandou a cometer gafes sucessivas. Enquanto a Uefa, Johansson e Blatter engenhosamente utilizam a imprensa no plantio de notícias interessantes aos seus desígnios, Havelange corre sozinho os riscos das tolices superpostas aos seus equívocos candentes. Não sem motivo, embora com enorme elegância, Pelé acaba de chamá-lo de "gagá".
Na reunião da Fifa em Nova York, Havelange manifestou a sua irritação diante de meus artigos, instrumentos eventuais de uma campanha contra a sua manutenção no cargo. Tolice. Eu apenas reporto aquilo que colho. As sementes da suposta campanha brotam, isso sim, nos arredores de Havelange. E são adubadas pela sua incrível teimosia em perfilhar o genro Ricardo Teixeira como o seu herdeiro futuro no futebol, nepotismo que a Uefa não tolera.
Enquanto Havelange se preocupa com os jornalistas, cega à realidade da oposição também enraizada em seus velhos feudos, a África e a Ásia, hoje não mais fiéis ao mestre como antigamente.

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