São Paulo, sábado, 5 de março de 1994
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Arquiteto diz que futuro da profissão está no interior

LUIZ CARLOS DUARTE
DA REPORTAGEM LOCAL

O arquiteto Fábio Penteado, 64, novo presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil-seção São Paulo (IAB-SP), quer valorizar a produção da arquitetura no interior do Estado, que concentrará, segundo ele, 70% dos arquitetos na virada do século. Ele foi empossado anteontem à noite, antes da festa do 73º aniversário do IAB, na estação ferroviária Júlio Prestes (centro). A seguir, trechos de entrevita que concedeu à Folha.
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Folha - Qual o papel do IAB na sociedade hoje?
Penteado - Há uma falta de expectativa. O país parou. Temos um déficit habitacional de 17 milhões e não se constrói quase nada. Os arquitetos se restringem a trabalhos individuais ou a empreendimentos imobiliários. Não há um projeto brasileiro para o urbanismo e a arquitetura. O Brasil tem uma população que duplica a cada 30 anos. Temos que reconstruir tudo de novo, duplicando o que foi feito em 450 anos. É um país que tem a melhor oportunidade para o trabalho de projetos e técnicas.
Folha - Quais as prioridades?
Penteado - Precisamos administrar potencialidades. O interior precisa ser levado produndamente a sério. Na virada do século, cerca de 70% dos arquitetos estarão fora da capital. O IAB deve dar força a esses grupos.
Folha - Isso significa que São Paulo está condenada?
Penteado - Flagrantemente, a cidade não deu certo. A tendência óbvia é de um esvaziamento pela trágedia urbana que ela mesma criou. A cidade anulou todos os espaços verdes. Temos 45 km de metrô, quando deveríamos ter 400 km. Os rios Pinheiros e Tietê são os mais interessantes do mundo inteiro para se estudar a poluição. Folha - Há soluções à vista?
Penteado - O que se faz são remendos. Veja os problemas que surgem em cada obra que se faz. Não há soluções fáceis para 20 milhões de pessoas. O urbanismo não conhece essa escala.
Folha - Como você avalia os bolsões de riqueza e pobreza que substituem a antiga divisão entre centro e periferia?
Penteado - É um desenho que mostra o desmantelamento de uma estrutura, acontecimentos urbanos que vão se amontoando sem um plano. Prova disso é o abandono do centro histórico, que resultou em uma fuga desordenada, levando a qualidade de vida de quem trabalha nesses centros novos a condições deprimentes.
Folha - Seria o caso da avenida Paulista?
Penteado - Sim. Lá trabalham cerca de 300 mil pessoas. No centro, você teria uma malha, com milhares de alternativas de estar. A Paulista é uma rua cruel. As calçadas dão para vitrines que são de bancos. Não há nada mais frio e duro. Não há escoadouro para outras atividades além do trabalho.
Folha - Qual sua opinião sobre os megaprojetos ao longo da marginal Pinheiros?
Penteado - São restos da época do milagre, da ditadura militar. Grande parte dos empreendimentos são feitos com fundos de pensão, estatais que não deveriam aplicar recursos nesse tipo de obra.
Folha - A cidade necessita de um plano diretor?
Penteado - Plano diretor me causa apreensão. São Paulo precisa ter uma flexibilidade muito grande e uma geração de prioridades fundamentais. Um exemplo é como tratar o rio Tietê. A despoluição, ao custo de US$ 5 bilhões, vai mudar o desenho de uma parte da cidade. Não deveria se privilegiar somente os proprietários de áreas próximas. Temos que alojar populações, área de lazer e adequar parte da cidade a essa nova situação favorável.
Folha - O senhor concorda com a prefeitura de São Paulo, que investe pesado em obras, em especial no sistema viário?
Penteado - É muito pouco perto do que seria necessário. São obras de importância fundamental para problemas específicos, mas que não vão resolvê-los também. O projeto da Faria Lima é uma das obras necessárias pelo que já aconteceu. Nessa região trabalham mais de 200 mil pessoas. Perdem uma ou duas horas por dia para entrar ou sair de lá. É uma tentativa de resolver o problema e uma tragédia para os moradores.

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