São Paulo, sábado, 5 de março de 1994
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Apanhador de cochilos se apega só a versões

LUÍS NASSIF
COLUNISTA DA FOLHA

Sob o título "Apressados Comem Cru", na edição de sexta passada o jornalista Sérgio Augusto bateu duro contra colunistas "apressados e mal informados", que "cometeram erros de informação histórica". Convocou Hegel e Bernard Shaw para sua cruzada revisionista e se propôs corrigir tais erros, "para evitar que se perpetuem por aí".
O que acendeu o facho sagrado de meu cronista favorito –para assuntos de música popular e teatro de revista–, foram temas históricos da mais alta relevância: casos de fronhas e lençóis de personagens da política, relatados pelos colunistas desinformados, a partir do caso Lílian Ramos-Itamar.
Longe de mim polemizar com quem comparece de Hegel ao leito. Mas, acusado de comer cru, tomo a liberdade de matar a cobra e mostrar o pau.
Na parte que me toca, a primeira contestação de Sérgio Augusto é à informação de que Jânio Quadros esteve às vésperas de renúncia no Rio, transando com uma atriz famosa e bela. "Se transou, foi em Brasília mesmo", rebate ele. Como "se transou"? Que raios de historiador é esse?
Foi no Rio, sim. No mesmo apartamento, aliás, em que, tempos depois, morreu o poeta Augusto Frederico Schimidt, em companhia de uma senhora casada da sociedade carioca –recitando poemas, segundo as más línguas.
O nome da atriz, eu não digo, nem o endereço do apartamento fatal. Mas, como bom pesquisador da vida privada carioca, Sérgio saberá descobrir.
O segundo questionamento é à informação de que Carlos Lacerda era um obcecado sexual. "Carlos Lacerda pode ter sido uma porção de coisas na vida, mas chegado a sexo não foi, muito pelo contrário", diz nosso cronista da mundanidade, com a humildade de quem julga que tudo o que ele não sabe, é mentira.
Poderia relatar algumas histórias mais apimentadas de Lacerda. Fico em dois casos mais light.
Na condição de principal nome da oposição, Lacerda desapareceu por quase um mês da campanha presidencial que elegeu JK. Passou o período em companhia da atriz Maria Fernanda, filha da poeta Cecília Meirelles. E certamente não foi recitando o "Romanceiro da Inconfidência".
Pouco antes, havia sido incumbido por Horácio Carvalho, do "Diário Carioca", de cobrir as eleições americanas que elegeram Eisenhower. Lacerda embarcou no Rio, mas não chegou a Washington. Foi localizado dois meses depois em Belém do Pará, em companhia de uma prima, por quem também caiu perdidamente apaixonado.
O "muito pelo contrário", elegantemente insinuado por Sérgio Augusto veio depois –e também de forma obcecada.
Sérgio prossegue seu artigo com um brilhante apanhado de cochilos da história e frases atribuídas por outros colunistas desinformados a personagens errados.
Termina com um fecho quase lapidar –"enfim, o que vale é a versão, não o fato (apud Nietzsche, e não Benedito Valadares)". Digo quase lapidar, porque quem citou Nietzsche foi Gustavo Capanema, e quem se apropriou da citação de Capanema foi José Maria Alckmin.
Mas, como diria JK, "o que importa é a convicção, não a correção". Ou teria sido Último de Carvalho? Ou ninguém?

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