São Paulo, domingo, 6 de março de 1994
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Feijão transgênico vive em estufa protegida de Brasília

MARCELO LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

O Brasil se aproxima da era da agricultura transgênica. Cem pés de feijão em uma estufa protegida de Brasília, no Centro Nacional de Pesquisa de Recursos Genéticos e
Biotecnologia (Cenargen), são os primeiros exemplares de uma planta de valor comercial a receber no país genes de espécies estranhas. No segundo semestre, os pesquisadores do Cenargen vão ficar sabendo se os genes introduzidos à força no feijão vão de fato dar à planta as características desejadas: maior valor nutritivo e resistência ao mosaico dourado, principal doença que ataca essa cultura.
Como no Brasil não há ainda legislação específica de biossegurança, a estufa especial do Cenargen segue normas aplicadas nos EUA e na Europa: toda a água que sai dela é analisada e tratada, há dispositivos para impedir o escape de pólen, o acesso é restrito a uns poucos pesquisadores (só dois têm a chave da casa de vegetação).
A meta dos geneticistas do Cenargen é que esses plantas passem a produzir pelo menos 1,5% de metionina entre os componentes de suas proteínas (metionina é um
aminoácido fundamental para a nutrição humana, presente no arroz mas não em leguminosas como o feijão e a soja). Para isso, isolaram o gene da metionina da castanha-do-pará, planta em que essa substância é abundante.
Já o gene que pode conferir resistência ao mosaico dourado veio do próprio vírus que causa a doença, mas ligeiramente modificado para provocar erros de cópia. Se der certo esta estratégia, que os cientistas chamam de "anti-senso", os vírus não conseguirão se reproduzir dentro da planta. Funcionaria como uma vacina.
No Cenargen, a pesquisa é coordenada pelo agrônomo Elibio Rech. A parte que diz respeito ao vírus conta também com a participação de outro órgão da Embrapa
(Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o Instituto Nacional de Pesquisas do Arroz e do Feijão, de Goiânia, sob a coordenação de Josias Farias. O projeto
foi financiado pelo Programa de Auxílio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PADCT).
Tiro-ao-alvo
Dizer que esses genes –pedaços de DNA que contêm o código químico de uma determinada proteína ou característica– são introduzidos à força no feijão não é
exagero. O nome do laboratório onde a pesquisa foi realizada, Biobalística, dá uma pista sobre o método algo violento empregado pelos geneticistas: eles literalmente
disparam genes sobre embriões (meristemas) de feijão.
O canhão de genes –os cientistas se referem a ela pela palavra inglesa "gun"– foi construído no próprio Cenargen. Rech tinha participado do desenvolvimento de
um semelhante durante seu doutorado na Universidade de Nottingham (Reino Unido) e mantém intercâmbio com o inventor da técnica em 1987, John Sanford, da Universidade Cornell (EUA).
A idéia é simples. Microprojéteis de um metal pesado (ouro ou tungstênio) são recobertos com o DNA que se pretende introduzir nas células, vegetais ou animais, e
acelerados a velocidades superiores a 1.500 km/h (veja desenho à direita). Para penetrar nas células, os projéteis têm de ser menores do que elas: um milésimo de milímetro (um mícron, ou micrometro) para plantas, até dois ou três micrometros para células animais, que são maiores.
A onda de choque que move a membrana sobre a qual ficam as partículas é obtida hoje com uma descarga do gás hélio (um cilindro com 8 m3 custa US$ 1.000 e dura
seis meses). Nos primeiros "guns", usou-se até pólvora.
Além do Cenargen, esse tipo de máquina é usado no Laboratório de Biologia Molecular de Plantas da Unicamp, que tem um programa de US$ 1 milhão para melhoria genética do milho, pagos pela empresa Agroceres e pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

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