São Paulo, quarta-feira, 9 de março de 1994
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A nova força conservadora

JANIO DE FREITAS

Concretize-se ou não, a pretendida aliança de PSDB e PFL tem significações muito importantes, pelo que exprime das rearrumações por que passam as forças políticas que conduzem o país. A face exposta da aproximação é a mútua conveniência eleitoral, mas o que interessa observar é o que permite e estimula a aproximação, a ponto de pretenderem os dois partidos disputar a sucessão presidencial com candidato único.
Alianças do PFL com o PPR de Maluf e do PMDB com o PSDB seriam naturais. Os dois primeiros estão na mesma árvore genealógica, com suas raízes no regime militar e nascidos ambos do tronco que foi a Arena, depois chamada PDS. A consanguinidade de PMDB e PSDB é a que existe entre pai e filho. Já a aliança entre PFL e PSDB soa como a união dos contrários, se considerada a distribuição formal das forças políticas entre as siglas partidárias.
Um precedente deste tipo de união foi a aliança para eleger Tancredo Neves no colégio eleitoral, conjugando parte do PDS com o PMDB. A face exposta desta aliança era a repulsa de uma corrente pedessista à escolha de Maluf como candidato do PDS à sucessão presidencial. Havia, porém, uma motivação mais profunda e não explicitada pelos pedessistas rebelados: era a percepção do esgotamento ideológico do regime militar, sugerindo a revisão doutrinária em favor da sobrevivência política. O PFL veio a ser a expressão partidária desta revisão, que preservou o conservadorismo do PDS em relação aos problemas sociais, mas assimilou a defesa do regime constitucional e aberto.
Força sempre decisiva no Congresso e prevalecente em grande número de Estados, apesar disso o PFL não tem, em seus quadros, quem possa concorrer à Presidência com mais chances do que o fracasso. A solução é uma aliança, cujas condições primordiais não podem ser, porém, de ordem eleitoral. Têm que ser de afinidades ideológicas e programáticas, para que o governo possa ser dos dois partidos.
Candidato é o que não falta no PSDB. Mas, se bem que o partido tenha crescido muito, falta-lhe penetração em regiões de grande importância eleitoral, das quais Minas e Pernambuco já dizem tudo. Uma aliança seria de toda a conveniência, sendo claro que, por ter como objetivo o exercício do governo, a premissa das afinidades outra vez se impõe.
Por maior que seja, a conveniência eleitoral não basta, portanto, ou mesmo o PFL estaria buscando aliança com o PT. Se é assim, como se atraem, então, o PFL conservador e neoliberal e o partido que, já no nome, propõe-se como representante da social-democracia, ou seja, prioriza o combate às desigualdades sociais sem ferir os princípios democráticos?
A resposta está no desempenho dos dois partidos. Ao PFL não há como deixar de reconhecer sua coerência com o ideal de ser a força política dos grandes interesses econômico-financeiros. Criado em 88, sobretudo para solucionar o problema dos paulistas do PMDB antiquercista, só no governo Collor o PSDB assume uma atitude que o distingue com nitidez da chamada esquerda peemedebista. É a sua tentativa, lançada e conduzida por Tasso Jereissati e Fernando Henrique Cardoso, de aderir a Collor e integrar o governo, a despeito dos inúmeros escândalos. Já avançadas as negociações, o esforço fracassa, incapaz de dobrar a resistência de Mário Covas baseada na incoerência ética e programática da adesão. Menos de quatro semanas depois instala-se a CPI, e o PFL estará sozinho na tentativa de salvar o governo Collor. Mas os primórdios de identificação entre peessedebistas e pefelistas ficaram ali, inapagáveis. Ao longo da CPI e do movimento pelo impeachment, dos quatro líderes mais proeminentes do partido, três mantiveram silêncio inquebrável – Jereissati, Fernando Henrique e José Serra –, só Covas participando da ação anti-Collor.
Instalado no governo Itamar como uma das forças vitoriosas (Fernando Henrique é o ministro do Exterior), o PSDB lança a campanha pela antecipação, de outubro para abril de 93, da revisão constitucional. Seu argumento era a impossibilidade de uma revisão com objetivos superiores no último trimestre do ano, quando as conveniências eleitorais já estariam influenciando as atitudes de senadores e deputados na revisão. Passados, hoje, exatos cinco meses da data considerada já tardia e prejudicial para o início da revisão, o PSDB ainda batalha para desengasgá-la. Ao lado do PFL e do PPR.
Condutor da política econômica, o PSDB propõe como governo e apoia no Congresso os cortes de verbas para educação, saúde, habitação popular, infra-estrutura. Faz o mesmo com o aumento de imposto de renda para salários então acima de CR$ 500 mil (na época, US$ 1 mil, e não os US$ 2 mil referidos por José Serra na Folha, pretendendo demonstrar que o aumento era só para os ganhos mais altos). Mantém, por nove meses, um dos salários-mínimos mais baixos do planeta e o quer estabilizado aí, na faixa dos US$ 65. Para efeito comparativo, é bom saber que o pobre Paraguai elevou o seu mínimo, no mês passado, de US$ 150 para US$ 190. Nos mesmos nove meses, impôs o PSDB a correção quadrimestral dos salários enquanto elevava a inflação de 26% para mais de 40%. E agora, com a média salarial corroída pelo crescimento da inflação, impõe a média como regra. Mas deixa os preços livres para a orgia que aí está.
Na prática, a orientação ideológica do PSDB repudia todos os princípios da social-democracia e é em tudo idêntica à do PFL. Identidade, aliás, formalizada no acordo pelo qual o ministro Fernando Henrique e o presidente do PFL, Jorge Bornhausen, comprometeram-se em apoios mútuos dos dois partidos: o PFL apoiando o plano econômico e o PSDB garantindo apoio às propostas neoliberais do PFL na revisão constitucional. A importância da definição do PSDB não está, porém, no que ela possa resultar para o partido, mas no seu significado para a distribuição das forças políticas: com a adesão do PSDB, o conservadorismo social e o neoliberalismo avançaram muito mais do que aparentam. E isto terá grandes reflexos no próximo governo, seja qual fôr o eleito: é o prenúncio de dificuldades ainda maiores do que as previstas, para um eleito com compromissos de natureza social, ou é o prenúncio de uma avalanche neoliberal sobre o país.

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