São Paulo, quarta-feira, 9 de março de 1994
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Versões quase sempre são mais interessantes que os próprios fatos

SÉRGIO AUGUSTO
DA SUCURSAL DO RIO

Na "Ilustrada" de sábado, Luis Nassif, prometendo "matar a cobra e mostrar o pau", contestou alguns cochilos por mim apontados, neste caderno, na edição de 25 de fevereiro. Talvez não seja necessário salientar, mas além de ser um craque em questões econômicas, Nassif é um estudioso de nossa história contemporânea e com todos os méritos se julga um especialista no período ativamente vivido pelo banqueiro Walter Moreira Salles, cuja biografia há tempos vem burilando. Não haveria, portanto, por que duvidar de suas informações a respeito de políticos como Jânio Quadros e Carlos Lacerda. Pois eu tive o desplante de duvidar. E, o que é pior, continuo duvidando.
E continuo duvidando por não haver provas, apenas testemunhos contraditórios, sobre a suposta vinda de Jânio ao Rio para um encontro amoroso de dois dias, às vésperas de sua renúncia. Esta versão –se não me engano espalhada na Redação do finado "Correio da Manhã" quando por ela Jorge Serpa, o condestável de tantos homens poderosos, circulava quase que diariamente no início dos anos 60– já me foi desmentida por amigos íntimos de Jânio e até por atilados observadores da cena política, como o jornalista Janio de Freitas. Mas que a versão do Nassif é melhor que o (suposto) fato, lá isso é.
Agora, uma questão mais delicada. Ao retrucar, ou, melhor dizendo, relativizar uma afirmação do Nassif, segundo a qual Carlos Lacerda seria um obcecado sexual, abusei da elegância e me dei mal. O que eu queria dizer –e o fiz de forma demasiado oblíqua– é que o governador do ex-Estado da Guanabara, a despeito de seus eventuais rabichos por uma prima e pela atriz Maria Fernanda, não se notabilizou por correr atrás de saias. Fiz-me claro desta vez?
Ao contrário do que insinua Nassif, não fui eu quem atribuiu a Benedito Valadares a autoria da frase "o que vale é a versão, não o fato", mas um jornal carioca, dois ou três meses atrás, mancada que resolvi gozar no último parágrafo do meu artigo, infelizmente sem especificar a fonte. A propósito, vale a pena lembrar que, um dia, Gustavo Capanema, dono da versão nacional da frase (a original, que eu saiba, é de Nietzsche), virou-se para José Maria Alckmim e comentou: "Puxa, eu lanço a frase e você é quem fica com a autoria." Ao que Alckmim retrucou: "Mais uma prova de que o que importa mesmo é a versão."
Ah, sim, mais uma coisa, por sinal não abordada no meu artigo, mas pertinente: cuidado com aquela história de que Juscelino Kubitschek estava indo ao encontro da mulher amada quando morreu. Ele de fato tinha uma namorada no Rio e várias vezes despistou, literalmente, para se encontrar com ela, mas muita gente bastante enfronhada na vida do Kubitschek assegura que, naquele dia fatídico, a namorada não estava em sua agenda. Na biografia de JK, que há mais de dois anos vem preparando para a Companhia das Letras, o jornalista Cláudio Bojunga não banca a versão perfilhada por Nassif.
Moral da história: nenhuma história é inteiramente confiável e as que não testemunhamos, menos ainda.

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