São Paulo, sexta-feira, 11 de março de 1994
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Sheridan faz filme sobre a honra paterna

LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA

Filme: Em Nome Do Pai
Diretor: Jim Sheridan
Elenco: Daniel Day-Lewis, Emma Thompson
Produção: EUA, 1993
Em cartaz: nos cines Belas Artes (sala Villa-Lobos), Center Iguatemi 2, Metro 2 e circuito

Estamos diante de um fenômeno internacional de empatia. O irlandês Jim Sheridan, 46 anos, larga mão da pieguice paraplégica do seu filme de estréia "Meu Pé Esquerdo" e radicaliza de vez. O seu terceiro longa "Em Nome do Pai" volta às origens, e nos revela uma Belfast que na sua juventude tinha o mesmo clima de barricadas do Maio de 68 em Paris.
Uma juventude que, como os hippies de Woodstock, mal imaginava que o barato psicodélico iria cair na real de uma guerra como a do Vietnã. É outra vez comovente e arrebatador ser conduzido pela interpretação apaixonada e apaixonante do seu ator Daniel Day-Lewis. Desta vez ele não faz um paraplégico explícito, mas é como se fosse um implícito.
Como de fato o sonho acabou para toda a juventude na virada da década dos 60, Daniel Day-Lewis nos obriga a percorrer a terrível descida ao inferno do personagem real que perdeu a inocência brutalmente ao virar um indesejável adulto nos anos 70: na cadeia por 15 anos, mas por crimes de terrorismo que não cometeu.
Difícil deixar de se sensibilizar diante desse processo tão bem recriado por Sheridan. A maturidade forçada de Gerry Conlon, o personagem real encarcerado depois de provas forjadas, torturas físicas e psicológicas, acusado de lançar bombas em dois pubs nos subúrbios de Londres em nome do IRA (Exército Republicano Irlandês), é acompanhada pelo drama de ver seu pai envolvido no processo de condenação, repartindo com ele a mesma cela por cinco anos.
Consciente do que faz, o diretor provoca no personagem filho uma reação contra o seu próprio processo de julgamento. Indiretamente Sheridan renega um gênero de filmes –de tribunais, de julgamentos– ao mesmo tempo em que se sente à vontade para abreviar como bem quer essa parte da história. Um capricho que infelizmente reduz a um mínimo possível a deslumbrante participação de Emma Thompson como advogada de defesa.
Gerry Conlon foi um inocente útil na brutal reação inglesa (da Scotland Yard) para restabelecer a autoridade magistral na Irlanda do Norte. Na esteira das condenações, outros inocentes foram inculpados pelos mesmos atos terroristas. Mais uma vez o filme foge da observância estrita aos fatos reais. A agilidade imposta ao ritmo do filme sacrifica os dramas patéticos de muitos outros personagens para se concentrar obsessivamente na metamorfose vivida por Gerry Conlon, do momento que foge da autoridade paterna até vê-lo morrendo em seus braços, impotente para provar qualquer inocência.
O que Sheridan pretende é retoma uma imagem idílica da figura paterna que, segundo ele, foi minada pela brutal autoridade inglesa através dos séculos de dominação da Irlanda. Guardadas as devidas proporções, o filme procura resgatar a honra da figura paterna, reconciliando-o com o simbólico filho escapista, como na moderna literatura irlandesa de Samuel Beckett e James Joyce em quem Sheridan diz ter se inspirado. Não só por eles a cultura irlandesa nos contempla com tanta emoção. Os dublinenses Gavin Friday e Bono Vox dão as suas melhores contribuições musicais a uma trilha sonora. Como o filme, o disco que virá também é imperdível.

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