São Paulo, sexta-feira, 11 de março de 1994
Texto Anterior | Índice

O sinal de Chiapas

JOSÉ SARNEY

Chiapas é uma interrogação e é uma perplexidade. Como é possível uma guerrilha, na América Latina, depois do fim da Guerra Fria, quando todos achavam sepultados para sempre a revolução armada, com as esquerdas convertidas à governabilidade, rendidas à democracia liberal, sendo a ditadura do proletariado uma múmia política e Marx e Lênin uma lembrança amarga e um corpo abandonado num mausoléu turístico da praça Vermelha, em Moscou?
Essas indagações estão causando medo e dúvida. O México é o país latino-americano mais bem-sucedido do continente. Está com um pé no Primeiro Mundo. E todos julgavam que Zapata, Oregón, Juárez eram orgulhosos românticos de um passado relembrado pelos livros e fotogramas de Krause.
O México de hoje é o da atração dos investimentos, da volta dos capitais, do retorno à democracia plena, do Nafta, o tratado de livre comércio com o Canadá e os EUA. Pensar-se numa guerrilha ali era coisa jamais imaginada.
Por isso mesmo Chiapas é motivo de suspense. Mostra a vulnerabilidade a que ficaram expostos os países depois do fim do conflito ideológico. O mundo não passou a ser aquele que Kant sonhou, quando escreveu a "Paz Perpétua", em 1795.
Salinas agiu certo, mostrou-se competente. Recuou, mandou parar unilateralmente a fuzilaria e chamou os guerrilheiros para o acordo. Ele foi o primeiro a sentir que aqueles índios que perambulavam pelos planaltos de San Cristóbal de Las Casas derrubavam as Bolsas de Valores, abriam os olhos do mundo ameaçando o atual projeto mexicano. Morreram centenas de revoltosos. Mais de 100 soldados foram vítimas dos combates. Aqueles índios maltrapilhos e segregados ressuscitavam Zapata.
Salinas aceitou muitas de suas condições. Eles mostraram que a revolta não acabara no cenário da América Latina e não era mais um fantasma do passado, mas uma realidade do presente. "Os anseios de justiça e dignidade das pessoas" eram reconhecidos como valores necessários à modernização do país.
Estava vivo o sentimento étnico e nativista. Seu instrumento de ser ouvido era a força da violência. Em dois países esses índios ainda não esqueceram o trauma da conquista: Cortéz, no próprio México, e Pizarro, no Peru. É o delírio que alimenta o Sendero Luminoso. É a vigorosa história mexicana que surpreende em Chiapas.
O acordo não se tornou público, mas, agora, se sabe que foram feitas muitas concessões políticas. Nas grandes cidades, multidões imensas saíram às ruas em apoio aos rebeldes. A rebeldia não é a revolução, como bem acentua Octavio Paz. A rebeldia é um ato pessoal; a revolução é uma manifestação coletiva.
A lição de Chiapas não acabou. Ela fez com que Fidel fumasse um grande charuto, rindo dos que o chamam de dinossauro. É um sinal dos novos tempos, esses tempos que fizeram os "loucos de Deus", esses xiitas fundamentalistas de todo gênero e, agora, fazem os loucos de Chiapas, esses homens que carregam um ressentimento secular e as injustiças do presente. Mundo, também, louco.

Texto Anterior: BEM-VINDO AO CLUBE; CONTROLE, SÓ DE SALÁRIOS; QUÓRUM; FORA DE HORA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.