São Paulo, sábado, 12 de março de 1994
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Mundo complicado

JOÃO SAYAD

Sabem quem causa inflação? Surpresa –são os coitadinhos, os pobres, os setores concorrenciais. Lembram da inflação do chuchu, na época do ministro Mario Simonsen? E da inflação dos "barbeiros", na época do ministro Delfim? E a inflação do vestuário, no Plano Collor e agora em 93? Será que barbeiro é oligopolista, ou que o trabalho duro, dia e noite, dos japoneses no cinturão verde de São Paulo é oligopólio? Não, claro que não!
Oligopólio é a IBM, a produção de cimento, a Ford, a VW, a Microsoft nos EUA. As empresas modernas, eficientes, que fazem pesquisa, introduzem novos produtos, novas tecnologias, são, em geral, oligopolistas.
Inflação é a elevação permanente dos preços. Inflação não quer dizer que as coisas são caras. Um copo de água mineral no Saara, um cafezinho em Paris devem ser muito caros. Mas não existe inflação nestes países.
Os preços dos setores concorrenciais, bóia-fria, feijão, soja, minérios, café, arroz, tomate, produtos agrícolas em geral, são flexíveis. Quer dizer, se faltar produto, seus preços explodem. Se sobrar, os preços desabam. Neste caso, os agricultores, por exemplo, ficam bravíssimos, perdem muito dinheiro, e de vez em quando, protestam. Mas, coitadinhos, não adianta nada.
Os oligopólios, poderosos, tem uma vida melhor. Os seus preços são rígidos. Sobra automóvel no pátio da montadora, ela dá férias coletivas, demite funcionários. Mas o preço do carro não cai. E só sobe, quando a matéria-prima ou a mão-de-obra sobem. Mas variam muito pouco relativamente aos preços de setores concorrenciais.
O que causa inflação é a combinação da política de preços do chuchu com a política de preços da IBM. Num país rico, onde os oligopólios predominam, a inflação é bem baixinha. Nos EUA por exemplo. Num país pobre, onde só se produz sisal, banana e cacau não há inflação. Os preços sobem e descem flexivelmente, sem inflação.
Num país da América Latina –onde existem oligopólios e setores concorrenciais importantes– sobe o preço do chuchu, porque não choveu, e não cai o preço do Fusca, porque é um oligopólio –dá inflação latino-americana.
Para não ter inflação seria necessário que os preços nominais –aquele que está escrito nas etiquetas dos supermercados– fossem estáveis. Ou seja, que um pacote de Bom Bril custasse, digamos CR$ 100 durante um ano. Mas o Bom Bril não importa. Os únicos preços que importam são o câmbio e o salário. Seria preciso que o trabalhador ganhasse CR$ 100 mil, estáveis e constantes por um ano. Mas como CR$ 100 mil é pouco, quando a Opep aumenta os preços do petróleo, ele não consegue pagar o ônibus para ir trabalhar. Precisa ganhar CR$ 120 mil cruzeiros.
Sobe o salário, sobem os custos, e o oligopólio aumenta seu preço. Se CR$ 100 mil cruzeiros fosse um salário alto, ele continuaria a ganhar CR$ 100 mil, estaria um pouco mais pobre (mas não miserável e incapaz de pagar a condução para o trabalho), mas não existiria inflação.
A culpa da inflação é do trabalhador –porque ele ganha muito mal em cruzeiros. O que não é culpa dele. Qualquer coisinha que aconteça, chuchu ou guerra no Irã, precisamos aumentar o seu salário em cruzeiros. Dando inflação.
A culpa da inflação é dos coitadinhos. Dos que ganham mal –agricultores, bóias-frias, feirantes, sacoleiras. Ganham mal porque são concorrenciais. Os grandes olipólios, nacionais ou multinacionais, ganham bem. Pode ser que vendam caro. Mas não causam inflação.
Para combater a inflação deveríamos estabilizar os preços dos produtos importantes para os trabalhadores –alimento, aluguel, transporte. Como? Preços mínimos, transportes mais eficientes. Não adianta abrir a economia. Não podemos importar transportes coletivos ou habitações. A outra solução é aumentar os salários reais dos trabalhadores, para que o salário nominal, em cruzeiros, possa ser estável.
Controlar o preço dos oligopólios só satisfaz nossa ira contra as injustiças deste mundo. Mas não ajuda contra a inflação. Ameaçar de congelamento causa inflação –porque eles conseguem se proteger aumentando o preço antes.
Muito complicado.

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