São Paulo, segunda-feira, 14 de março de 1994
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Quitandeiros são acusados da inflação

IVANIR JOSÉ BORTOT
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O diretor da área internacional do BC, Gustavo Franco, culpa quitandeiros, varejistas e profissionais liberais pela aceleração da inflação em cruzeiros com a criação da URV. Ele não isenta os oligopólios. Mas acha "despropositada a ênfase dada ao comportamento predatório do setor". Para ele, a disparada nos preços é "um acidente de percurso".
Segundo Franco, o BC estuda a criação de um "conselho da moeda" para balizar a emissão do real. A nova moeda não virá em abril e a troca não será feita em apenas um dia, disse.
Franco garantiu que não haverá prejuízo para pessoas que tenham cruzeiros, porque a moeda antiga terá sempre sua paridade garantida pelo BC em relação à variação do câmbio.
Segundo Franco, o BC não vai usar suas reservas, na criação do real, para ajudar bancos em dificuldades. "O BC não vai sacrificar sua programação". Ele prevê que os bancos possam ter complicações porque não terão recursos inflacionários para se financiar. A seguir, principais trechos da entrevista:

Folha – Quais os problemas que existem nessa fase de URV?
Gustavo Franco – Existe um número imenso de problemas operacionais. Os mais importantes na agenda de discussões são as duplicatas e faturas. O passo seguinte é o começo de adaptação das regras do sistema financeiro, o lançamento de produtos no mercado.
Folha – Como fica a vida dos correntistas? Que tipo de aplicação ele pode fazer em URV?
Franco – Não está definido. Estamos discutindo o mecanismo. Do ponto de vista do cidadão, muda muito pouco. Possivelmente na próxima semana um produto bancário em URV. A mudança é mais acentuada no subterrâneo da economia, nas relações entre a indústria e comércio.
Folha – Qual será a taxa de juros das aplicações em URV?
Franco – É um assunto que ainda estamos estudando.
Folha – E a resistência de oligopólios e de alguns setores ao plano no processo da conversão?
Franco – Eu não diria resistência. Acho que é uma ansiedade normal quanto a mudanças que não são entendidas ou porque as pessoas sabem como vão ocorrer. Isso cria um comportamento defensivo. Acho que é despropositada a ênfase excessiva dado ao comportamento predatório dos oligopólios. O essencial a se ter em mente é que isso é um acidente de percurso. O comportamento de preços supostamente abusivos não se localiza nos oligopólios. Às vezes são varejistas, quitandeiros, profissionais liberais que praticam preços abusivos.
Folha – O aumento abusivo dos preços, a insegurança dos agentes econômicos não pode apressar a criação da nova moeda já a partir de abril?
Franco – Não. Acho que isso é uma coisa passageira e não deve prejudicar a lógica e a sequência natural do plano. Uma adaptação que tem de seguir seu curso normal. Nossa intenção é prolongar a fase dois até onde seja necessário para que a economia já tenha assimilado o uso da URV.
Folha – Já existe a decisão de fazer a troca do cruzeiro pela nova moeda em um dia?
Franco – Não. Isso não pode ser feito em um dia. Pode ser feito tranquilamente em um período maior de tempo e as dificuldades logísticas existirão. Não haverá prejuízo às pessoas, porque neste período a taxa de câmbio entre o cruzeiro e o real será constante.
Folha – A inflação em cruzeiro não preocupa?
Franco – Claro que preocupa. Preocupa menos do que antes, uma vez que os salários estão bem mais protegidos do que antes. A aceleração da inflação continua sendo prejudicial a toda uma camada da população que tem pouca defesa contra ela.
Folha – A URV foi criada como um instrumento para segurar a inflação? Reduzir?
Franco – A URV pode ter efeito significativos em algumas áreas. O fato de se autorizar a fatura e a duplicata em URV tem o efeito de desembutir custos financeiros dos preços.
Folha – Pode ser criado o conselho da moeda, quando o real passa a existir?
Franco – Existem muitas idéias em estudo à reorganização institucional do sistema monetário. Como será o BC, o lastreamento da conversibilidade, mecanismo de emissão, instâncias decisórias do BC.
Folha – Há essa hipótese de se criar um conselho da moeda ou uso de reservas como lastro?
Franco – Todos os sistemas estão sendo discutidos. Não há ainda definições precisas. Há interação entre as variadas formas de lastreamento e a definição das regras de emissão. Pode-se optar por outro mecanismo em que você tenha uma regra de emissão que não tenha lastro.
Folha – A reforma do sistema financeiro será feita com a emissão da moeda?
Franco – Esse processo será feito junto com a emissão da moeda, quando passa a ter um arcabouço institucional diferente do que tem hoje. Em uma economia de inflação baixa, as flutuações diárias no volume de reservas bancárias não são tão grandes em relação à base monetária. Nesse mundo, a zeragem automática se torna desnecessária. Podemos caminhar de um sistema de zeragem automática para um sistema de redesconto, que não precisa ser criminal como existe hoje, impondo uma instituição a um passo da liquidação. Outros instrumentos como depósito compulsório passam a ter uma pertinência que não tem hoje. Muitos bancos aferem receitas consideráveis na captação à vista e receitas inflacionárias. O desaparecimento dessas receitas pode criar problemas para alguns bancos. O importante é que o BC não vai sacrificar a sua programação monetária, que será crucial para a sustentação do plano, para fazer operações de salvamento dos bancos em dificuldade.

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