São Paulo, segunda-feira, 14 de março de 1994
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As relações entre a União Européia e o Brasil

IAN TINDALL BOAG

A reunião da Comissão Mista União Européia-Brasil, a ser realizada hoje, 14 de março, será a primeira desde julho de 1990 e a primeira desde a assinatura, em junho de 1992, do novo Acordo de Cooperação UE-Brasil, que aguarda ratificação pelo Congresso.
A reunião terá lugar à luz da recente conclusão bem sucedida da Rodada Uruguai do Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio). Tanto a UE quanto o Brasil, como "global traders", irão beneficiar-se consideravelmente da abertura do comércio internacional. O Brasil, em particular, deve beneficiar-se das consequências não apenas da redução progressiva de exportações agrícolas subsidiadas pela UE como também dos resultados da reforma de grande alcance resultante da política agrícola comum da UE, em 1992.
Essa reforma reduziu em até 30% os preços internos de muitos produtos agrícolas (como carne, cereais e laticínios), aproximando-os dos preços mundiais e, desta forma, diminuindo o grau de subsídio das exportações comunitárias desses produtos. Além disto, a considerável redução feita pela união das tarifas sobre importações de produtos industrializados ajudará o desempenho brasileiro de exportações, que já é notável. Não existe, no Brasil, uma percepção generalizada de que o país tem um superávit comercial de quase US$ 0,5 bilhão com a União, na área de produtos manufaturados.
Entretanto, o comércio não é o único elemento nas relações UE-Brasil. A UE também é a maior fonte de investimentos estrangeiros diretos no Brasil, sendo responsável por cerca de 37,5% do total dos mesmos. Um dos objetivos do novo acordo de cooperação é estimular e desenvolver esta forma de cooperação, particularmente entre empresas de pequeno e médio porte.
Para este fim, a Comissão Européia –braço executivo da UE– organizará em 1994 uma série de seminários delineados para explicar nossa política de cooperação industrial e os instrumentos disponíveis para apoiá-la. Ao mesmo tempo, propõe-se a criação, no Brasil, de alguns euro-centros, projetados para se tornarem os pontos focais dessa cooperação.
Outro elemento da cooperação UE-Brasil é a questão ambiental. A Comissão Européia participou, juntamente com o Banco Mundial, no preparo, pelo governo brasileiro, do programa piloto para a preservação da floresta tropical na Amazônia. Este é um projeto ambicioso, na medida em que visa a coordenar uma ampla gama de projetos relacionados à Amazônia e financiados por um grande número de doadores. Também visa a fornecer um modelo para tais atividades que possa subsequentemente ser adotado por outros países. Os fundos disponíveis para a fase inicial de três anos são de quase US$ 290 milhões, mais de 80% fornecidos pela UE e seus países-membros.
Outra importante área do relacionamento bilateral é a cooperação científica e tecnológica. Trabalhando em parceria com o Ministério das Relações Exteriores e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), a Comissão Européia financia um programa de bolsas de estudo, projetos conjuntos de pesquisa e oficinas de trabalho que, nos últimos anos, permitiu ao Brasil participar de ações com um valor total de mais de US$ 30 milhões. Além disso, está tendo início a cooperação no setor de telecomunicações.
Finalmente, nos últimos anos a UE respondeu ao desejo tanto do governo quanto da sociedade brasileiros de atacar os problemas sociais profundamente enraizados. A Comissão Européia financia um importante programa de pequenos projetos dirigidos a ajudar as comunidades mais pobres e carentes, em áreas urbanas e rurais.
Esse programa é administrado em parceria com organizações não-governamentais brasileiras e européias. Anualmente, são iniciados cerca de 30 novos projetos. Além disso, a Comissão Européia está desenvolvendo um programa de cooperação com a sociedade brasileira dirigido especificamente para auxiliar a enfrentar o problema de crianças de rua.
Todos esses assuntos serão discutidos em Bruxelas (Bélgica), durante a próxima reunião, que oferecerá uma excelente oportunidade para que o Brasil e a UE avaliem sua cooperação passada e determinem prioridades.
Ao mesmo tempo, a reunião fornecerá uma oportunidade para que cada lado apresente ao outro seus mais recentes desenvolvimentos internos.
A UE estará interessada em ouvir do Brasil os últimos desenvolvimentos na liberalização e abertura da economia –um requisito essencial para o real desenvolvimento da cooperação econômica e industrial acima descrita.
Por sua vez, o que irá a UE dizer sobre seu próprio desenvolvimento? O principal evento, é claro, foi a entrada em vigor do Tratado de Maastricht, em 10 de novembro de 1993. Isto amplia o horizonte de ação da UE para assuntos judiciais (a luta contra drogas, terrorismo, questões de imigração etc.), bem como para o início de uma política externa e de segurança comum.
Ao mesmo tempo, a entrada em vigor, em 1º de janeiro de 1994, do Espaço Econômico Europeu (a UE mais cinco membros da AELC –Noruega, Suécia, Áustria, Finlândia e Islândia) criou a maior zona de livre comércio do mundo.
É verdade que, entre o primeiro resultado negativo da Dinamarca num referendo do Tratado de Maastricht, em junho de 1992, até sua entrada em vigor cerca de 17 meses mais tarde, a União passou por um período de dúvida e incerteza política aliadas a uma recessão econômica e a dificuldades no funcionamento do mecanismo de taxas de câmbio –um precursor do Sistema Monetário Europeu com uma moeda única, segundo a concepção do Tratado de Maastricht.
A UE foi fortalecida pelos passos concretos em direção ao futuro que tiveram lugar no fim de 1993, juntamente com o resultado positivo da Rodada Uruguai. A experiência de negociarmos com nossos principais parceiros comerciais demonstrou mais uma vez que, como uma União, podemos obter resultados muito melhores do que conseguiríamos como Estados individuais.
Esta lição do valor dos grupos regionais no lidar com a economia mundial é aplicada pela UE em suas relações com o resto do mundo. Cada vez mais, a União Européia está encetando diálogos com seus parceiros em bases regionais, em todo o mundo: o Conselho de Cooperação do Golfo, a ASEAN, os países do Grupo de Visegrado (Polônia, Eslováquia, República Tcheca e Hungria).
Mais próxima do Brasil, desde a assinatura do Tratado de Assunção a União desenvolve uma íntima cooperação com o Mercosul e já está financiando importantes programas de cooperação preparados para tornar disponível a experiência da UE na área de integração regional. Ao mesmo tempo, o diálogo político com o Grupo do Rio em nível ministerial deverá ter lugar no Brasil/São Paulo, em 22 e 23 de abril próximo.

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