São Paulo, segunda-feira, 14 de março de 1994
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Como ganhar um Leão de Ouro

FRANCESC PETIT

Dias atrás, conversando com um conhecido diretor de comerciais de TV, lá de Barcelona, ele me contou, com muita naturalidade, que estava preparando alguns comerciais para este famoso Festival de Cannes. Me mostrou um dos comerciais que sofreria profunda cirurgia plástica. Era um bom comercial, tinha uma tomada inicial de oito segundos, inusitada e criativa. A partir deste "take" virava um comercial comum.
A cirurgia, segundo contou o meu conhecido, era deixar só a primeira imagem, a qual ele já tinha filmado previamente num minuto, colocar uma nova trilha e um novo texto, já em inglês, "gravado em Londres"... Ele ainda contou que em muitos casos pega um comercial e da outro de presente especialmente para Cannes. É um tipo de promoção da sua produtora e de outras também.
Não se trata de uma descoberta, pois há muitos anos a maioria dos publicitários conhece muito bem mágicas e, sem nenhum pudor, temos feito uso dela e ganho muitos Leões de Ouro. É um trambique que se pratica em muitos países, alguns exageram na dose, outros fazem mudanças dentro de certos limites éticos. Mas é bom que os jovens, que os leitores em geral, conheçam esses truques, talvez até algum deles terá a chance de ganhar um Leão de Ouro, mesmo sem ser publicitário.
A categoria mais fácil para caçar Leões é a institucional. Aqui vale tudo, principalmente temas polêmicos, mais ou menos como o Toscani faz para a Benetton.
Naturalmente existem temas mais impactantes, que têm mais chances de vencer, outros já estão muito desgastados. Por exemplo, não perca tempo com o assunto da Aids ou camisinhas.
A cada Festival tem dezenas de comerciais falando deste delicado tema, o que leva a crer que terá poucas chances de prêmio. Também não são recomendáveis os temas de acidentes de automóveis ou alcoolismo. Todos fazem comerciais com estes assuntos tão graves. Eu já ganhei diversos Leões com filmes de batidas de carros e pais bêbados. Também não adianta mais mostrar baleias morrendo ou florestas sendo devastadas, muito menos menores abandonados, drogas etc..
Acho que, para este Festival, poderão ter muito sucesso os filmes a respeito dos conflitos da Bósnia-Herzegóvina, do neonazismo na Alemanha, da Somália, do apartheid da África do Sul...
Um tema palpitante, porém perigoso, é o fanatismo nas religiões ou seitas. Talvez possa causar bom efeito comerciais feministas que falem contra o machismo, usando pensamentos de Camile Paglia ou Simone de Beauvoir.
Fazer este tipo de filme é simples e barato. Pegue imagem de revistas, jornais, ou filmes –de preferência em preto e branco–, escolha nos seus CD's uma música adequada. Faça uma montagem e coloque uma frase de algum escritor famoso, assine com o nome de uma entidade fictícia... Você estará correndo o risco de ganhar um Leão de Ouro e ser consagrado como um grande publicitário.
Assim, o mesmo ocorre com comerciais de produtos de consumo. Vá numa locadora e fique olhando cenas bonitas que se adequariam para um comercial.
Isto pode ser feito em comerciais de moda masculina ou feminina, corte umas cenas de "Pretty Woman", com o galanzão Richard Gere. Corte um olharzinho da Julia Roberts e lá você terá um belo comercial de uma grife masculina, de roupa, perfume etc..
Tudo isso sem o menor problema, pois nos festivais ninguém se preocupa se de fato você criou aquele comercial, ou se comprou determinadas cenas de um filme ou se você pagou os direitos das trilhas sonoras e se de fato aqueles clientes ou entidades existem.
Isto não quer dizer que o Festival de Cannes não seja sério e que os jurados não sejam pessoas competentes e honestas, como eu que já fui jurado. É que o Festival é organizado por profissionais ingleses e este tipo de malandragem não existe na Inglaterra. Primeiro porque não precisam, pois são os melhores criadores do planeta, e segundo que não passa pela cabeça de um inglês tamanha sem-vergonhice. Diria que isto é privativo, a esperteza mundialmente conhecida de nós, os latinos.

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