São Paulo, sexta-feira, 18 de março de 1994
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Afronta

Se os deputados federais pretendiam afastar-se ainda mais da sociedade, não poderiam ter feito melhor. Acobertados sob o covarde manto do voto secreto no Congresso, ignoraram o difícil momento que vive o país, desconheceram os esforços exigidos da população e votaram a favor de um substancial aumento real dos seus próprios salários, e dos ministros de Estado.
A indecorosa decisão ainda precisa de ser ratificada pelos senadores, a quem cumpre agora reparar o escândalo. Mais do que apenas inoportuna, de fato, a medida parece uma provocação deliberada. Afinal, é precisamente em meio ao delicado debate sobre a conversão dos salários para a URV que os deputados concedem a si próprios um aumento de mais de 23% em URVs.
Não só isso, porém, essa majoração, se efetivada, ameaça gerar um grave efeito-dominó. Há vários outros vencimentos vinculados, formalmente ou não, aos dos congressistas. É de se esperar assim que o funcionalismo do Congresso demande ganhos na mesma proporção, o que acarretaria pressões de servidores da administração direta. O mesmo problema ocorreria nos Estados, já que o teto do salário dos deputados estaduais é definido como proporção daquele dos seus pares no Congresso Nacional. Os custos potenciais dessa bola de neve são evidentes e inquietantes.
É certo que o projeto em questão visa regulamentar a isonomia salarial entre os Poderes prevista na Constituição. Chama a atenção, porém, que o Executivo, de longe o mais defasado nesse aspecto, havia vetado o aumento salarial para ministros e congressistas –veto que foi derrubado pelos deputados.
Para somar acinte à provocação, a decisão surge no momento em que o país se exaspera com a lentidão e o injustificável absenteísmo do Congresso. Quando o próprio bolso está em jogo, porém, o quórum parece deixar de ser problema.
É de se notar, por fim, que, mesmo que sejam 296 os deputados responsáveis pelo escândalo (54 votaram contra), é a imagem do Legislativo que é atingida. Sob os olhos atentos da sociedade, cabe agora aos senadores decidir se corrigem o abuso ou tornam-se cúmplices da afronta ao Parlamento, o que só desgasta ainda mais a já dilapidada imagem do Congresso.

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