São Paulo, sábado, 19 de março de 1994
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O Mercosul, por uma ótica argentina

ALIETO ALDO GUADAGNI

O Mercosul tem sido uma boa idéia? A resposta é categoricamente sim. Por quê? Alguns poucos números nos dão uma idéia do quanto esta decisão foi correta, como mostra o quadro abaixo.
Hoje 27% do total das exportações argentinas têm por destino o Mercosul e 21% o Brasil. Isto representa uma modificação no comércio externo argentino, que na década de 80 tinha os Estados Unidos como principal país comprador (13% do total das exportações) e a CEE como o mercado regional mais importante (24% do total das exportações).
No caso do Brasil, a Argentina passou a ser sua segunda parceira comercial, tanto em exportações como em importações. As perspectivas para 1994 são altamente encorajadoras, estimando-se que a Argentina irá superar a barreira dos US$ 3 bilhões. Esta projeção é feita com base em cinco fatores:
a) As preferências tarifárias sobre praticamente todo o universo de produtos aumentaram 20% desde 1º de janeiro de 94, em relação ao nível de 1993 (passaram de 68% a 82%).
b) O Brasil reduziu a metade das exceções ao programa de liberalização do comércio. A tarifa alfandegária média é hoje de 13%.
c) As exportações baseadas em recursos naturais (por exemplo, cereais e petróleo) vão continuar em níveis elevados. Nestas exportações a Argentina tem evidentes vantagens comparativas.
d) O programa de comércio administrado da indústria automotiva terá fortes exportações, ultrapassando os US$ 480 alcançados em 1993. As cotas que foram objeto de acordo permitirão exportar mais de 50 mil veículos.
e) As perspectivas são positivas também para as exportações de máquinas e aparelhos, têxteis, produtos manufaturados de metal e produtos agroindustriais. Estes últimos terão forte impacto sobre as economias regionais, entre 35% e 70% de cujas exportações são hoje absorvidas pelo Brasil (La Rioja, Corrientes, Mendoza, Córdoba e San Juan).
Se estas cifras não forem suficientes para demonstrar os claros benefícios deste processo de integração, os seguintes fatos também são suficientes para comprovar o êxito do Mercosul:
1) A crescente confiança dos agentes econômicos na integração, que se traduz em numerosos empreendimentos conjuntos, constitui uma prova cabal de que a filosofia do processo ("Criar desde o governo as condições para que os diferentes setores se integrem") tem dado certo.
2) O reconhecimento em nível internacional do Mercosul. Hoje já é comum que nos diferentes foros internacionais os dois principais sócios do processo sejam identificados com uma única posição e nossos negociadores se apresentam sob uma mesma frente.
O respeito conquistado junto à comunidade internacional em consequência dos acordos celebrados na área nuclear permitiu à Argentina e ao Brasil não apenas prosseguirem com seus planos nucleares, como também habilitá-los para o acesso a novas tecnologias que nos eram vedadas pelo caráter "imprevisível" de nossas políticas nesse campo.
3) O bloco que formamos já é visto como tendo interesse para atrair investimentos de terceiros mercados, devido à magnitude do PIB agregado dos quatro países.
O que teria acontecido se não houvéssemos encarado este processo de integração? No âmbito político talvez não teríamos sido capazes de desarmar um mecanismo de rivalidade que em anos anteriores nos levou a políticas equivocadas de desconfiança mútua, com o custo decorrente para nossas sociedades. Não teríamos sido capazes de estabelecer acordos nucleares, com o custo tecnológico decorrente. Teríamos perdido o trem da história. Se não soubéssemos nos integrar entre parceiros geográfica e socialmente naturais, valeria perguntar que capacidade teríamos tido de encarar este mundo globalizado.
No âmbito econômico se não houvéssemos encarado uma política de liberalização alfandegária, nossos mercados teriam sido obrigados a se esforçar para conseguir outros mercados para colocar seus produtos. Não é difícil imaginar que a expansão de nosso comércio global teria sido gravemente prejudicada, assim como o nível de inversões estrangeiras.
O crescimento de nosso PIB está intimamente relacionado com o crescimento de nosso comércio; se não houvéssemos apostado no Mercosul, o efeito sobre nossas economias teria sido notoriamente negativo.
Finalmente, perguntemos: o que ameaça o Mercosul hoje? Diversos fatores atentam contra o pleno êxito de nossa integração:
1) O temor de alguns setores de ficarem presos exclusivamente neste esquema de integração regional. Seria preciso responder a estes setores que o Mercosul não nasce como uma iniciativa que exclui outros processos de integração, nem tampouco como um clube fechado. A partir de janeiro de 1995, teremos que imaginar a nova dimensão do Mercosul. Somos favoráveis à projeção continental do Mercosul.
2) O temor de determinados setores diante da iminência de serem obrigados a enfrentar a concorrência de outros produtores da região.
3) O temor de setores nacionalistas minoritários, que crêem que o processo de integração é prejudicial a nossas soberanias. Creio que a história já se encarregou de demonstrar a estes que seus esquemas, vigentes até pouco tempo atrás, não contribuiram em nada para a paz e o crescimento de nossos povos.
Como conclusão, sem medo de ser tachado de ativista da integração, posso afirmar que não conheço argumentos válidos contra o processo que empreendemos, cujo objetivo claro é melhorar o nível de vida de nossos países.
O mercado ampliado beneficiará a todos nós, nenhum dos quatro mercados que o integram é depreciável e a frente comum, aberta a outros países, como a Bolívia, permitirá que talvez em breve e com a urgência imposta pelos tempos que vivemos, possamos potencializar as vantagens de uma região que original e naturalmente constitui um todo e que dividimos no passado, em função de nossa miopia.

Tradução de Clara Allain

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