São Paulo, sábado, 19 de março de 1994
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Economia e teologia

Os economistas do governo correm o risco de gastar à toa todo o seu latim para explicar à sociedade que a inflação só vai cair mesmo quando for introduzida a nova moeda, o real. É essa, de resto, a lógica intrínseca do plano econômico. Mas a vida continua, por enquanto, em cruzeiros reais e, nestes, a inflação vai batendo recorde atrás de recorde. Ontem, por exemplo, foi divulgado o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Ampliado), relativo ao período entre 15 de fevereiro e 15 de março. Chegou a 44,3%, contra 40,3% do período anterior.
E explicações teóricas tendem a não satisfazer a ânsia da população por resultados imediatos. Todo o esforço publicitário do governo está amparado numa palavra teoricamente mágica: estabilidade. O natural é que os leigos (a absoluta maioria da população) suponham que a estabilidade virá já, com a introdução da URV, e não apenas quando vigorar o real.
No momento em que o consumidor descobrir que o quilo do feijão custa, em março, muito mais do que custava em fevereiro, é inevitável que se sinta decepcionado. Mesmo com salário indexado à URV, o poder de compra se mantém integral apenas no dia do pagamento. É bom lembrar que o economista Edmar Bacha, assessor especial do Ministério da Fazenda, disse aos parlamentares do PSDB, dias antes do lançamento da URV, que a nova indexação não impediria perdas para os salários ao longo do mês. Bacha até recomendou que os assalariados corressem às compras logo que recebessem o pagamento, para evitar a corrosão inflacionária. Tende a ser, assim, outra frustração verificar que a URV, embora atenue, não acabe com a corrida de salários contra preços.
Explicar que a etapa da URV é apenas a transição para a estabilidade pode não ser o suficiente, pela simples razão de que o prolongado período de superinflação que o país vive despertou uma verdadeira obsessão por soluções instantâneas. Como elas não existem, o risco que o plano corre é o de perder, no decisivo território psicossocial, por mais que, economicamente, haja explicações sólidas e científicas para a demora na queda da inflação. Há que se considerar ainda que candidatos à Presidência fatalmente usarão a inflação como arma contra o provável ministro-candidato.
Prometer o paraíso para depois da vida na Terra é uma tarefa para teólogos, não para economistas.

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